André Gabeh - Suburburinho - André Gabeh
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Por André Gabeh
Rio - Não houve escândalos de amantes ou descoberta de novos filhos no velório de seu Gaguinho.

Peita foi concebida dois anos antes de Dona Mica se casar com o falecido, e a paternidade clandestina sempre foi mantida em segredo porque sua mãe, Dona Tangerina, Tangi pros íntimos, que morrera atropelada por um carrinho de pipoca quando ela era adolescente, tinha combinado com seu marido, o Russo, que ele seria o pai oficial de Peita.

Tangi e Gaguinho se coisaram salientemente na mesma época em que ela estava se afofalhando vaginisticamente pra Russo.

Tangi se casou com Russo gravidíssima, e sacou que o filha só poderia ser de Gaguinho pela pretura herdada por Peita. Russo era branco da cor da carne do jambo; Tangi era da cor da pele da fruta, e seu Gaguinho era afro fúcsia, preto rosado cor de linguiça cozida no feijão. Peita era a cara do Monsueto.

Nigérrima. Não precisava de DNA. Seguiram suas vidas e nosso ícone sapatão só soube a verdade de sua origem quando a mãe fez uma endoscopia e, doida de sonífero, falou toda a verdade pra ela.

A revelação causou um certo impacto em todos, mas o tempo urgia, era preciso enterrar seu Gaguinho, dar um banho em Dona Mica e tirar Isaías e Isavoltas do surto.

Poderia passar horas contando os detalhes do velório. Horas. Dona Mica não foi mesmo. Edmilson Pai e Anacleto Filho recebiam os amigos e parentes. Edmilson Filho espantava a todos com sua roupa de DARTH VADER, porque cansou do figurino de Batman. Venezuellen deu mole pro garçom responsável pelo salão de festa, Dona Benedita cochilou, sonhou que estava caindo, acordou gritando, assustou todo mundo e fez com que seu Candinho, que também cochilava, caísse no chão. Seu Polvilho fez um culto evangélico interminável. Dona Aidê de OMOLU recebeu seu pai de cabeça e deu um banho de pipoca em todos os presentes. As baterias da ARRASTÃO DE CASCADURA e da EM CIMA DA HORA se juntaram pra tocar os sambas preferidos do morto. Os frequentadores do restaurante, atraídos pelo som, apareciam na porta do salão de festa, sambando, e levavam sustos homéricos, quando viam seu Gaguinho morto e imenso cercado de flores escalafobéticas.

Às 19h30 resolveram que já era hora de sair com o caixão. Colocaram a tampa por sobre o corpo de seu Gaguinho e viram que ele não fechava. Colocaram as crianças em cima pra fazer um peso e conseguiram fechar o esquife com ajuda de alguns pregos.

O féretro saiu do restaurante direto pro cemitério. Os filhos, os netos, Peita e Mucuca (que por só ter o braço esquerdo, acabou ficando de um lado que finalmente honrou seu título de BRAÇO DIREITO DE SEU GAGUINHO) carregaram o caixão.

Já era noite e as luzes dos postes das vielas fúnebres deixavam o ambiente parecido com um filme dos Trapalhões dirigido pelo Zé do Caixão.

Alguns médiuns presentes no local trocavam de roupa pra estarem bonitos quando suas entidades chegassem pra reunião dos Exus. Lecy Brandão se maquiava atrás de uma lápide e parou tudo pra se despedir de seu amigo de Sambola.

Emocionante.

Todo o povaréu foi indo, cemitério adentro, seguindo CHUPA AIPIM, o coveiro. As luzes iam diminuindo, as ladeiras aumentando, as árvores se tornando mais lúgubres. Subiam, subiam… Pirambeiras.

Num certo ponto, no meio de uma ladeira altíssima, alguém que segurava uma lanterna, fez o alerta:

- TÁ EMBARRIGANDO!

Outro alguém perguntou:

- O que?

- O fundo do caixão.

As pessoas mais à frente concordaram que estava ficando esquisito, as mais pro fundo não notaram nada.

- TÁ embarrigando sim, olha bem!!

GENTE…

Mucuca se abaixou pra conferir os fundos do caixão e PAH!! A madeira se soltou, seu Gaguinho caiu e rolou ladeira abaixo, derrubando todo mundo que nem boliche.

As pessoas iam caindo ao mesmo tempo que tentavam pegar o corpo, que bateu numa parede cheia de gavetas e lá parou, causando grande estrondo.

Bêbada que nem um gambá, e amparada por Suzete cabeleireira, Dona Mica surgiu das trevas e falou, entre soluços:

- Se enterrassem na Brasília isso não teria acontecido.

FIM.