O aumento para R$ 5,7 bilhões do fundo eleitoral para 2022 se explica pela realidade partidária: há mais legendas querendo dinheiro do que recursos públicos para bancá-las
Rio - Peço desculpas aos leitores por, mais uma vez, me afastar dos temas específicos do Rio de Janeiro para tratar de questões nacionais. Isso não tem se dado, evidentemente, por falta de compromisso com o propósito original da coluna — que é o de lançar um olhar crítico e propositivo sobre os principais problemas do município e do estado. A intenção, aqui, tem sido apenas discutir alguns temas nacionais que, por afetar a vida dos brasileiros, não podem ser ignorados pelos fluminenses.
Nos últimos tempos, o que não têm faltado são decisões tomadas em Brasília que chamam atenção para o risco que oferecem de tirar das populações mais vulneráveis, entre as quais se encontra a do Rio, recursos que se tornam ainda mais necessários na medida em que se tornam escassos. Num país onde falta dinheiro para o essencial, sobram políticos querendo encontrar maneiras de financiar o supérfluo. Uma demonstração desse hábito é a tentativa recente de garantir um piso (isso mesmo, um piso!) de R$ 5,7 bilhões para o Fundo Eleitoral que financiará o pleito do ano que vem.
Calma! Ninguém está dizendo aqui que eleições são supérfluas. Pelo contrário: elas são uma parte fundamental do processo democrático e, justamente por isso, deveriam ser tratadas como uma oportunidade de se pôr em prática o velho ditado sobre a mulher de César. Assim como ela, não basta que os candidatos às próximas eleições sejam honestos. Eles precisam parecer honestos!
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Não é essa, porém, a avaliação que se faz deles quando se olha para os R$ 5,7 bilhões em dinheiro público que pretendem destinar ao financiamento das campanhas. A avaliação torna-se ainda pior diante da maneira sub-reptícia que encontraram para incluir a previsão dessa despesa na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022. Chega a ser impressionante a velocidade com que um tema tão delicado tramitou no Parlamento.
Protocolado na madrugada de 15 de julho, o projeto foi aprovado pela Comissão de Orçamento da Câmara na manhã do mesmo dia. À tarde, já tinha passado pelas duas casas e sido encaminhado para a sanção do presidente Jair Bolsonaro. Tudo foi feito a toque de caixa, sob a justificativa singela apresentada pelo relator do projeto, o deputado Juscelino Filho (DEM/MA) de que é preciso "financiar a democracia".
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Ninguém — provavelmente nem o próprio relator — levou a sério essa bravata. Embora a arrecadação federal venha apresentando crescimento em relação aos números deploráveis de 2021, a necessidade de recursos gerada pelas medidas de combate aos efeitos da pandemia permanece enorme. Qualquer centavo disponível deve ser destinado a esse propósito.
Além disso, a infraestrutura do país está em petição de miséria. Enquanto os programas de concessões e de Parecerias Público Privadas não conseguirem reduzir de forma substancial a necessidade de investimentos federais em estradas, ferrovias e portos, o dinheiro destinado à infraestrutura deve ter tratamento prioritário no Orçamento Federal, atrás apenas dos gastos com saúde, assistência e educação.
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Num cenário como esse, a repercussão do texto que o deputado Juscelino apresentou na calada da noite, é claro, foi a pior possível. Tanto assim que o presidente Jair Bolsonaro, tão logo deixou o hospital em que esteve internado na semana retrasada, em São Paulo, anunciou a intenção de vetar a medida. Ele fez isso com um olho na legalidade e o outro na oportunidade oferecida de bandeja pelo Congresso Nacional. Está corretíssimo.
HABILIDADE POLÍTICA
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A lei que instituiu o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, de 2017, estabeleceu os mecanismos de correção do dinheiro destinado a essa finalidade. O bolo só pode crescer no ritmo da inflação. Caso não vete o aumento além da conta, o presidente cometerá uma ilegalidade e dará a seus adversários o argumento para tentar abreviar o seu mandado com um processo de impeachment. Essa é a questão legal.
A oportunidade que está diante do presidente é, justamente, a de fazer algo a que estava obrigado e, mesmo assim, colher os dividendos políticos por isso. Na história recente, o Congresso Nacional se habituou a prometer a alguns setores da sociedade mais do que permite a disponibilidade de recursos e a empurrar para o Executivo a tarefa "impopular" de negar o dinheiro. Ao aplicar um aumento exagerado num Fundo que, desde o início, é visto com maus olhos pela população, o Legislativo deu ao presidente a oportunidade de tomar uma medida que pode melhorar sua popularidade — que está longe de viver seus melhores momentos — fazendo exatamente o que deve ser feito.
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Os críticos, é claro, se apressaram em tentar atribuir aos aliados de Bolsonaro — e, por extensão, ao próprio presidente —, a responsabilidade pela aprovação da medida. Chegaram até a considerá-lo o pai da ideia de estimular a inclusão da medida no texto só para, depois, se beneficiar das consequências do veto que seria obrigado a assinar. É estranho: ao insinuar que Bolsonaro agiu com esse grau de premeditação, seus adversários estão, na prática, atribuindo ao presidente a astúcia e a habilidade política que insistem em lhe negar.
Não foi isso, porém, que aconteceu. O apetite demonstrado pelos parlamentares, que aprovaram o texto com poucos votos em contrário, na verdade, nada tem a ver com o presidente — que, por sinal, encontra-se sem partido e não tiraria qualquer benefício imediato do aumento desses recursos. O exagero que o deputado maranhense cometeu reflete, na verdade, a intenção de satisfazer o apetite desmedido do sistema partidário brasileiro, que tem uma goela grande demais para a pouca quantidade de ração disponível e está sempre querendo mais.
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Dos 33 partidos legalizados no país, 24 têm representação no Congresso Nacional. Ainda que houvesse recursos em abundância, eles ainda seriam insuficientes para financiar as campanhas eleitorais de toda essa gente. A democracia não precisa ser bancada com dinheiro do povo. Pelo contrário, ela é, ou pelo menos deveria ser, uma garantia para que os recursos de um país ainda pobre, como é o caso do Brasil, sejam utilizados em benefício da maioria dos cidadãos — ou, senão da maioria, pelo menos em benefício dos mais vulneráveis.
O país precisa, urgentemente, olhar para isso com atenção e tornar o sistema partidário mais leve, ágil e representativo. É impossível que exista no espectro ideológico do Brasil ou de qualquer outro lugar do mundo, 33 linhas ideológicas diferentes e, mais do que isso, 33 grupos de interesse tão distintos entre si que mereçam ter um partido específico para representá-las. Não é esse, infelizmente, o caso.
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Enquanto o país tiver essa quantidade de partidos e continuar aceitando que muitos deles sejam usados como legendas de aluguel, com dirigentes que se valem das agremiações como se fossem um negócio de família, a necessidade de recursos será cada vez maior. E os políticos, ao invés de trabalhar para garantir recursos para o povo, estarão sempre olhando para o contribuinte como se cantassem o refrão da marchinha composta por Homero Ferreira para o Carnaval de 1960: "Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí!"
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