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Por Nuno Vasconcellos
As pesquisas de intenção de voto divulgadas até aqui dão como praticamente certa a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas eleições do ano que vem. A última delas, feita pelo instituto Datafolha, foi divulgada na sexta-feira passada. Nela, o petista lidera com 45% das intenções de voto enquanto o presidente tem 25% da preferência dos eleitores.
Os números não mentem, mas às vezes podem se enganar. Por esses resultados, os dois chegarão ao segundo turno — e muita gente, a começar por Lula e Bolsonaro, parece desejar que isso aconteça. Embora nenhum deles assuma abertamente, um sempre dá a impressão de que o outro é o adversário que gostaria de ter no segundo turno.
Pelos levantamentos feitos até aqui, portanto, ambos ficariam satisfeitos se as eleições fossem hoje. Este é o ponto: ainda falta um ano, dois meses e 21 dias para que elas aconteçam. De hoje até o dia 2 de outubro de 2022, data prevista para a realização do primeiro turno, muita coisa pode mudar — e os números definitivos, quando chegar a hora, podem apontar uma realidade distinta dessa que se vê hoje. Ninguém tem uma bola de cristal que antecipe os resultados. Existem, porém, variáveis que podem alterar o cenário e levar a números diferentes dos atuais. Neste momento, melhor do que ter certezas é levantar dúvidas e, a partir delas, fazer reflexões que ajudem a entender o cenário. Vamos a elas:
O possível avanço de processo de impeachment e o eventual afastamento do presidente Bolsonaro podem beneficiar Lula?
O mais provável é que, ao invés de beneficiar, o eventual afastamento de Bolsonaro prejudique as pretensões de Lula. Um impeachment pode abrir espaço para um candidato com índice de rejeição inferior ao do presidente, que é de 59%. Lula provavelmente manterá a liderança das pesquisas, mas sua rejeição também é alta: 37%.
Não sendo certo o benefício a Lula, quem lucraria com o afastamento de Bolsonaro?
É cedo para saber. Processos como esse nunca são rápidos e a lama revolvida durante os debates pode manchar reputações de muitas pessoas além do investigado. O processo que custou o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, se estendeu por longos 273 dias. Tomando esse mesmo tempo como base, se o processo contra Bolsonaro começasse a tramitar na primeira semana de agosto deste ano, ele se estenderia até a primeira semana de maio do ano que vem — ou seja, a apenas cinco meses das eleições.
Caso seja afastado, existe a chance de Bolsonaro manter os direitos políticos, como aconteceu com a ex-presidente Dilma depois de ser afastada em agosto de 2016 e, assim, ter chances de disputar as eleições de 2022?
Há duas abordagens possíveis: a jurídica e a política. No campo jurídico é improvável que o ministro Luís Roberto Barroso, que presidirá o processo, caso o pedido de impeachment seja aceito pela Câmara, trate Bolsonaro com a mesma generosidade que ministro Ricardo Lewandowski dispensou a Dilma — que conservou os direitos políticos depois de perder o mandato. O provável é que Bolsonaro fique impedido de disputar eleições por oito anos, como determina a lei e como aconteceu com Fernando Collor.
E no campo político?
Conservando seus direitos, Bolsonaro lidará com uma realidade diferente da de 2018. Ali, ele se beneficiou da rejeição do eleitorado aos candidatos da esquerda. A habilidade em explorar essa rejeição tornou sua candidatura viável, a despeito da insignificância da legenda de aluguel que o abrigou, o PSL. Agora, o eleitor o julgará não pelas promessas, mas pelos resultados de seu governo — e esse julgamento tende a ser desfavorável, como mostra seu índice de rejeição.
Se o vice-presidente general Hamilton Mourão assumir a presidência e se candidatar à reeleição, ele tem chances de herdar os votos de Jair Bolsonaro?
Provavelmente não. Mourão não atrai os simpatizantes de Bolsonaro e, caso assuma, tende a sofrer um processo de desgaste semelhante ao que atingiu Michel Temer — que atraiu a ira dos apoiadores de Dilma. Mourão não tem o mesmo traquejo político de Temer nem é capaz de aglutinar apoios como Itamar Franco, o sucessor de Collor. A chegada à presidência, provavelmente não dará a Mourão chances reais de vitória.
A eventual melhora da economia e a recuperação dos níveis de emprego podem salvar o mandato e aumentar as chances eleitorais de Bolsonaro?
A situação da economia é decisiva em qualquer eleição. Se a atividade estiver em alta e a taxa de emprego for crescente, qualquer presidente resiste a qualquer escândalo. Em 2006, para citar apenas um exemplo, Lula foi reeleito com facilidade, mesmo tendo sofrido o desgaste do chamado “Processo do Mensalão”. A questão é saber se os investimentos públicos previstos para o segundo semestre e para o ano que vem produzirão a tempo resultados que possam beneficiar Bolsonaro. É provável que não. A mesma crise que em 2018 trabalhou a favor de Bolsonaro, agora age contra ele.
O presidente pode se beneficiar caso a campanha de vacinação avance e 100% da população seja imunizada até o fim do ano?
A postura diante da pandemia da Covid-19 é, sem dúvida, um ponto fraco de Bolsonaro. A falta de clareza em relação à campanha de vacinação e o apoio a drogas sem eficácia comprovada o deixaram em posição desconfortável — e nem mesmo o sucesso da campanha daqui por diante deverá ter o poder de beneficiá-lo. A postura diante da pandemia, que prejudica Bolsonaro, é o grande trunfo de uma eventual candidatura do governador de São Paulo, João Doria.
As chances de Lula aumentam diante de um candidato de centro, como João Doria?
Lula é maior do que a esquerda que o apoia e seu prestígio, sem dúvida, avança em direção ao “centro”. Doria, por sua vez, não conta com a simpatia da esquerda e também tem críticos ferozes entre os bolsonaristas radicais. De acordo com o Datafolha, sua rejeição é equivalente à de Lula, na casa dos 37%. No entanto, alguns fatores pesam a favor do governador e melhoram suas chances de chegar ao segundo turno. A vacina é um deles. As ações e os investimentos de seu governo no interior poderão garantir a maioria dos votos em São Paulo, maior eleitorado do país. Finalmente, o governador já demonstrou capacidade de trabalho e determinação.
Quais as chances de um candidato de centro-esquerda, como Ciro Gomes, contra Lula?
Mínimas. Para se viabilizar, ele teria que convencer parte do eleitorado de esquerda de que é melhor do que Lula, o que é muito pouco provável. O apoio a Ciro, provavelmente, ficará circunscrito a seu estado, o Ceará. Lula é o único candidato de esquerda com chances de conquistar a presidência.
A projeção conquistada pelo governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, que recentemente se declarou gay, o credencia a disputar as eleições presidenciais?
Leite terá, primeiro, que conseguir dentro do PSDB o apoio que Doria também pleiteia. Por mais corajosa que tenha sido a postura do governador e por mais aplaudida que tenha sido a declaração, ainda não é possível medir o impacto de seu gesto sobre o eleitorado — sobretudo sobre os segmentos mais conservadores. Além disso, ele terá que se tornar conhecido do conjunto do eleitorado, o que ainda não é.
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