Depois do estrago causado pelo mau uso do dinheiro público, ser honesto não bastará para atrair mais investimentos para o Rio. Será obrigatório parecer honesto
Desde os Jogos Olímpicos de 2016 não se via no Rio de Janeiro um momento de otimismo semelhante ao atual. Uma onda de novos investimentos, que pode alcançar R$ 70 bilhões nos próximos anos, está injetando um novo ânimo numa Economia que, nos últimos anos, sofreu mais abalos do que qualquer outra no país. Bancada com recursos públicos e privados, essa dinheirama diz respeito a novos projetos nas áreas de infraestrutura, meio-ambiente, Saúde, Educação, Segurança, Cultura, lazer e mais algumas outras...
Isso é muito bom. De acordo com os cálculos do governo, apenas os projetos incluídos no Pacto-RJ — o plano de investimentos de R$ 17 bilhões com recursos do orçamento e da venda da Cedae, anunciado dias atrás pelo governador Cláudio de Castro — deverão gerar cerca de 150 mil empregos em todo o estado. Somado às vagas a serem abertas por outros projetos, esse contingente ajudará a inverter a curva de desemprego, que deverá sofrer uma queda expressiva ainda este ano.
Outros investimentos de menor impacto no que diz respeito ao potencial de geração de empregos, mas extremamente significativos pela simbologia que trazem com eles, também estão na lista. Na terça-feira passada, em reunião virtual com o governador, o presidente da filial brasileira da Amazon, a gigante mundial do varejo digital, Daniel Mazini, anunciou a decisão da empresa de inaugurar um Centro de Distribuição no município de São João do Meriti, na Baixada Fluminense. Serão 200 empregos diretos permanentes. Outras mil vagas temporárias serão oferecidas em períodos de maior aquecimento do comércio digital — como o Dia dos Namorados, o Dia das Crianças e o Natal.
MAUS HÁBITOS — Esses investimentos, juntos, trazem de volta um clima de otimismo que parecia ter abandonado o Rio definitivamente — mas o sinal de alerta precisa estar permanentemente ligado. O fluminense ainda não se recuperou da ducha de água que o atingiu em cheio, depois que baixou a poeira dos investimentos feitos para os Jogos Olímpicos. A realidade, então, mostrou que uma parte expressiva dos recursos que bancaram aquele momento de euforia foi desviada para os bolsos justamente de quem deveria tomar conta do dinheiro.
O receio do cidadão é que a volta dos investimentos abra as portas para mutretas como aquelas que, no passado recente, transformavam qualquer obra no Rio de Janeiro num foco potencial de corrupção. Não se trata, obviamente, de levantar suspeitas contra integrantes do atual governo. Nada disso! O próprio governador Castro, mais de uma vez, já deixou claro que todos os projetos que contarem com recursos públicos serão administrados conforme os mais rígidos critérios de governança e dentro da maior transparência possível.
Nada mais sensato e necessário. Afinal, como diz o velho ditado — já mencionado algumas vezes neste espaço — “À mulher de César não basta ser honesta; ela precisa parecer honesta”. O Rio de Janeiro só ocupará o lugar que merece como o grande centro econômico e cultural na América Latina no dia em que, ao invés de criar atrativos para seduzir os investidores, passar a ser assediado por eles com projetos sérios e de grande impacto.
Isso mesmo. É preciso reconhecer que os maus hábitos do passado recente envolveram o Rio numa nuvem de suspeitas que não se dissipará apenas com o anúncio da intenção de agir com rigor e transparência no trato com o dinheiro público. Isso é o mínimo. Será preciso, mais do que isso, comprovar na prática, no dia a dia, que essa intenção é para valer e dar exemplos concretos de que toda a máquina pública, do escalão mais alto ao mais básico, está comprometida com o bom uso dos recursos.
Outro ponto que exige reconhecimento por parte dos governantes e da sociedade é o de que os atributos que, no passado, fizeram do Rio um destino procurado por muitas empresas, ou desapareceram ou já não são suficientes para seduzir aos que procuram um lugar para instalar seus negócios. Tirando as belezas naturais e a simpatia de sua gente, atributos que ajudam, mas não definem o destino dos investimentos, o Rio precisa oferecer mais vantagens.
PRESTÍGIO E AUTOESTIMA — Investir em segurança é fundamental. A compra de novos equipamentos para a polícia e a utilização dos recursos eletrônicos de última geração para monitoramento dos lugares de maior movimentação é essencial. O uso da inteligência para solução de crimes, também. Tudo isso dará ao carioca e ao turista que visita o Rio, a negócios ou a lazer, a sensação de que pode ir aonde quiser, a qualquer hora, sem sofrer ameaças.
Investir em Educação, com a adoção de um currículo escolar que atenda às exigências das empresas do Século 21, é outra iniciativa que pode começar a fazer a balança pender para o lado do Rio. Isso deve valer, sobretudo, para os estudantes da rede pública que, conforme ficou comprovado agora, durante a pandemia, ainda não dispõem de recursos tecnológicos que os capacitem a competir em condições de igualdade com os estudantes das melhores escolas privadas. O Rio, com sua reconhecida tradição na oferta de ensino público de qualidade, não pode seguir acreditando que a estrutura educacional que garantiu seu prestígio no passado seja suficiente para tornar o ambiente atrativo no futuro. É preciso ir além.
É preciso, ainda, mais zelo com a infraestrutura da cidade. Agora que a Cedae foi privatizada e a população do Rio se preparara para se livrar de uma vez por todas dos problemas com o saneamento e com o abastecimento de água que a perseguiu nas últimas décadas, é hora de cuidar para que outros serviços também caminhem para a excelência. É preciso cuidar do sistema viário e, também, prevenir os deslizamentos de encostas em áreas de risco que, entra ano, sai ano, ceifam as vidas de pessoas e expõem a chaga da ineficiência.
Pode parecer muito e é mesmo. Mas é necessário. O Rio é um lugar magnífico, que se deteriorou nos últimos anos e, para recuperar o prestígio, a autoestima e a pujança que teve no passado precisa de muito mais do que dinheiro. A fartura de recursos que parece estar despontando no horizonte é muito bem vinda, mas não é a solução para tudo que aflige a cidade e o estado. Alguns problemas exigem mudança de atitude não só do poder público, mas de toda a sociedade. A oportunidade está aí. Não é conveniente deixá-la passar.
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