Nuno14agoARTE O DIA

As eleições presidenciais estão chegando e quanto mais a data se aproxima, mais fica evidente um problema que já foi mencionado aqui mais de uma vez: nenhum candidato se preocupa em divulgar seu programa de governo e, pior do que isso, ninguém parece disposto a discuti-lo com a sociedade. Nenhum dos candidato — nem os dois que lideram a disputa nem aqueles que ainda alimentam o sonho de chegar ao segundo turno — deixou claro até o momento o caminho que pretende seguir caso conquiste o eleitor e receba dele o mandato para governar o Brasil pelos próximos quatro anos.
O esforço principal, pelo menos até aqui, tem se concentrado mais em apontar aquilo que os adversários têm de ruim do que em destacar o caminho que o próprio candidato pretende seguir para tirar o Brasil da maior crise de sua história. Alguns dirão que é natural que isso aconteça neste momento em que a campanha eleitoral não começou oficialmente e que os candidatos ainda têm uma série de limitações legais para falar de suas ideias.
O calendário eleitoral, de fato, impediu que os candidatos se dirigissem ao eleitor de forma mais clara até o momento. Somente a partir da próxima terça-feira, dia 16 de agosto (ou seja, depois de amanhã), os partidos poderão promover comícios, fazer carreatas, distribuir material impresso e pedir o voto do eleitor. A campanha só esquentará para valer a partir do dia 26 de agosto, sexta-feira da próxima semana, quando terá início o horário gratuito no rádio e na TV. Muita gente, porém, acha que as questões formais tratadas nos programas de governo são uma bobagem e que, no Brasil, ninguém parece interessado em discutir as propostas — mas apenas em conhecer a “sujeira” que mancha as biografias de alguns candidatos.

EXIGÊNCIA LEGAL
Sem querer debater a estratégia eleitoral de cada partido ou de cada marqueteiro, é preciso admitir que as discussões mais aprofundadas em torno das ideias dos candidatos não são uma característica marcante das corridas eleitorais no Brasil. Ainda que os candidatos venham agindo como se já estivessem em campanha para 2022 desde que foi encerrada a contagem dos votos das eleições de 2018, o que se viu até agora foi apenas o ensaio do que acontecerá a partir de agora. Os Programas de Governo, no entanto, existem e constam da documentação que, por exigência legal, os próprios candidatos são obrigados a encaminhar à Justiça Eleitoral.
Isso mesmo. Todo candidato que concorre a um cargo Executivo no Brasil é obrigado, por lei, a registrar sua Proposta de Governo junto à Justiça Eleitoral. A obrigação nasceu de uma sugestão do ex-deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) para o pleito de 2010 e foi incluída na lei eleitoral justamente com a intenção de manter o eleitor informado sobre as medidas que os candidatos colocariam em prática caso viessem a ser eleitos.
Os efeitos não foram os esperados. Embora a divulgação do Programa de Governo seja uma exigência legal, o candidato eleito não tem qualquer obrigação de segui-lo caso venha a ser eleito. Não existe qualquer sanção prevista para o político que, no governo, se afastar dos compromissos que assumiu com a população durante a campanha. Sendo assim, ao invés de funcionar como um guia capaz de oferecer ao eleitor informações seguras sobre aquilo que pretende executar caso mereça a confiança do voto, o Programa de Governo acaba sendo visto como uma mera formalidade legal, uma exigência burocrática sem qualquer serventia prática.
Todos ganharíamos, e muito, se nos déssemos ao trabalho de consultar o site https://divulgacandcontas.tse.jus.br e procurar ver, ali, o que os candidatos estão prometendo a seus eleitores. Dos quatro nomes mais bem colocados nas pesquisas de opinião pública, três já tinham apresentado suas Propostas de Governo ao TSE na quinta-feira da semana passada, dia 11 de agosto, quando este texto foi fechado. São eles Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT). A candidata Simone Tebet (MDB) ainda não tinha registrado suas propostas àquela altura. O prazo final para entrega do documento à Justiça se encerra amanhã, dia 15.
Uma leitura rápida nas propostas apresentadas por Lula, Bolsonaro e Ciro mostra que todas elas tocam em questões interessantes. Cada um deles têm algum ponto que, se fosse posto ao lado de ideias defendidas pelos outros dois, talvez ajudasse a transformar o Brasil num país mais moderno, mais desenvolvido e socialmente mais justo do que é atualmente.

TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO
O programa de Bolsonaro fala das medidas de proteção ao emprego que foram adotadas pelo governo e defende a consolidação de “um mercado livre de trabalho, seguro e flexível, para que o emprego no país alcance níveis internacionalmente competitivos, gerando renda e prosperidade aos brasileiros”. O texto fala, também, das ações já tomadas na área digital, com a criação do PIX, que dinamizou as transferências financeiras, e a implantação do Portal Gov.Br, que dá acesso a mais de quatro mil serviços públicos em um único endereço eletrônico. E diz que “serão contempladas ações de promoção de novas tecnologias de digitalização e inovação que melhorem tanto a competitividade nacional como a qualidade de vida dos cidadãos, principalmente aqueles mais vulneráveis”.
O de Ciro Gomes tem como eixo central o Projeto Nacional de Desenvolvimento. Trata-se de um conjunto de ações destinadas a estimular a economia e a “retomar o desenvolvimento de forma economicamente sustentável”. Entre as propostas apresentadas estão a “redução da tributação sobre a produção”, a Reforma da Previdência e os investimentos em pesquisa científica e tecnológica.
Lula, por sua vez, diz que “um programa Bolsa Família renovado e ampliado precisa ser implantado com urgência para garantir renda compatível com as atuais necessidades da população”. Também fala em “modernizar de maneira virtuosa as potencialidades da economia brasileira e suas principais frentes de expansão: o mercado interno com potencial de produção e consumo em massa, as capacidades estatais com potencial de gasto social e investimento público, as infraestruturas econômicas, urbanas e sociais, além do uso ambientalmente sustentável de recursos naturais estratégicos com inovações industriais e proteção dos bens de uso comum”.

GASTOS ASSISTENCIAIS
Bolsonaro está certo defende um mercado de trabalho mais flexível e livre das amarras paternalistas que, a pretexto de proteger o trabalhador, acabam sobrecarregando o empregador e inibindo a geração de postos formais de trabalho. Ciro está certo quando propõe um Projeto de estímulo ao crescimento econômico e a escolha de setores estratégicos para receber apoio do governo e puxar o desenvolvimento. Lula, por sua vez, está coberto de razão ao criticar o modelo fiscal brasileiro e ao defender a ampliação dos avanços sociais.
Todas essas ideias, porém, esbarram em um obstáculo concreto que, se não for removido, inviabilizará a aplicação daquilo que o eleito, independente de quem vença as eleições, acredita ser o melhor para o país. O principal deles, como a essa altura já deveria estar claro para todos, é a realidade fiscal que tem colocado o país diante de um problema que nenhum candidato demonstrou a intenção de atacar de frente: o problema fiscal.
Não se trata, como sugere Lula em seu programa, que se revogue o teto de gastos para que o governo tenha liberdade de gastar o quanto quiser para atender as exigências sociais que, de fato, são crescentes. Muito mais eficaz do que isso, embora ninguém tenha coragem de colocar o dedo nessa ferida, seria reduzir os gastos correntes para que houvesse mais dinheiro para investimentos capazes de estimular a economia, incrementar a arrecadação e aumentar a oferta de empregos.
Esse é um ponto fundamental. O Brasil gasta praticamente tudo o que arrecada com a manutenção da máquina pública — o que inclui o pagamento dos salários do funcionalismo e outras despesas de custeio. Em 2020, os benefícios previdenciários e assistenciais, para falar apenas no caso mais grave, consumiu um total de R$ 712 bilhões, o equivalente a 30% do orçamento da União. Em 2021, o valor saltou para R$ 1,05 trilhão, ou 37% do orçamento.
Parte do aumento desses gastos está relacionada, claro, com a elevação das exigências sociais ocasionada pela pandemia da Covid-19. A questão é que, como a economia não tem crescido num ritmo mais intenso, o aumento exagerado das despesas sociais, apresentadas como a solução para os problemas de hoje são, na verdade, a porta de entrada para os problemas de amanhã.
Para limitar o aumento das despesas seria necessário que o novo presidente se comprometesse a atrelar a elevação das despesas correntes (inclusive dos salários de todos os servidores públicos) não à taxa de inflação, como diz a lei atual, mas à elevação do PIB. E, além disso, que se dispusesse tomar medidas efetivas para conter os gastos com a manutenção da máquina pública — liberando, dessa maneira recursos para investir em programas bem estruturados de estímulo ao desenvolvimento. Assim, a economia crescerá, a arrecadação aumentará e os gastos sociais poderão ser cobertos de forma menos artificial. É preciso discutir essa questão com seriedade e a hora é esta!