1° Batalhão de Infantaria Blindada, Barra Mansa - Divulgação
1° Batalhão de Infantaria Blindada, Barra MansaDivulgação
Por O Dia
Volta Redonda - Na semana internacional dos direitos humanos, o Centro de Memória do Sul Fluminense Genival Luiz da Silva da Universidade Federal Fluminense (CEMESF), em parceria com a Quiprocó Filmes, lança nesta sexta-feira, dia 11, às 19h, o curta ‘Memórias de Aço’, que narra a história das graves violações aos direitos humanos ocorridas no espaço do antigo batalhão de Barra Mansa durante a ditadura civil-militar. O evento divulga, também, o projeto do Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos e será transmitido ao vivo pelo canal do CEMESF/UFF no YouTube.

Desde a instalação da Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda (CMV-VR), de 2013 a 2015, o processo de justiça de transição ganhou novos contornos na região. Originalmente centrado nas ações reparatórias da Associação de Anistiados Políticos, a partir das investigações da CMV-VR, em conjunto com a Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio) e da UFF de Volta Redonda foi firmado o Termo de Ajustamento de Conduta n° 3, em 2016, entre a Prefeitura Municipal de Barra Mansa e o Ministério Público Federal, com o intuito de garantir “reparações simbólicas em favor da preservação da memória e do patrimônio histórico nacional” no espaço onde funcionou o antigo BIB. O TAC prevê a instalação de um “centro de referência permanente do direito à memória”, que contará com uma sala de exposição permanente e um espaço de guarda do acervo histórico sobre o período ditatorial. Nesse sentido, o documento não apenas direciona a criação de alguns espaços destinados à memória dos sobreviventes da ditadura e seus familiares, mas também restringe os usos possíveis para o local.

Durante o processo foi criado o Centro de Memória do Sul Fluminense Genival Luiz da Silva, sediado no Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFF de Volta Redonda (CEMESF/UFF-VR), em 2015. O CEMESF/UFF surge com objetivo de preservar as memórias da região Sul Fluminense na defesa dos direitos humanos e dos valores democráticos. Neste ano, através da contratação de consultorias para elaboração do projeto arquitetônico e do plano museológico para o futuro espaço de memória previsto no TAC, é que surge a proposta do Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos. O grupo de ex-presos políticos que passaram pelo 1° BIB/22° BIMtz, educadores, profissionais da cultura, secretarias municipais de Barra Mansa e Volta Redonda, bem como profissionais da memória e militantes do Movimento Memória, Verdade, Justiça e Reparação também participaram da construção do projeto que visa ocupar o espaço do antigo 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército, localizado na Praça da Memória, dentro do Parque da Cidade.
Entre novembro de 1971 e fevereiro de 1972,15 soldados do próprio batalhão foram torturados, resultando na morte de quatro deles, levando à condenação judicial os oficiais envolvidos por determinação da própria Justiça Militar. Em 73, sete militares, de diversas patentes, foram condenados e encerradas as atividades do 1° Batalhão de Infantaria Blindada. É o único caso em que militares foram responsabilizados e punidos por suas práticas durante o regime pela própria Justiça Militar. O episódio, ainda pouco conhecido dos brasileiros, foi o único no país em que militares torturadores foram condenados por seus crimes durante a ditadura militar. Mesmo após o restabelecimento da democracia, nenhum outro militar envolvido com a prática de tortura foi condenado, devido à Lei de Anistia.

Gabriel Barbosa, um dos diretores do documentário, considera que a partir de registros e imagens de arquivo, o curta aponta a importância da memória dos sobreviventes como instrumento de preservação da história local e educação para as gerações futuras. ''O Memórias de Aço cumpre um papel importante na construção de uma narrativa sobre as brutais violências cometidas ao longo da ditadura civil militar muito porque traz à luz as prisões, torturas e assassinatos, ocorridos no antigo 1º Batalhão de Infantaria Blindada do Exército, em Barra Mansa, no interior do estado do Rio de Janeiro. Acredito - e é o que a Quiprocó Filmes se propõe a fazer - que a produção cinematográfica tem essa responsabilidade de contribuir para a elaboração de linguagens inseridas em processos de defesa e garantia dos Direitos Humanos, tendo como horizonte a construção de uma sociedade mais igualitária, com mais justiça social e a garantia do direito à memória", destaca o diretor de projetos da Quiprocó Filmes.

A pesquisadora, historiadora e socióloga responsável pelo Centro de Memória do Sul Fluminense Genival Luiz da Silva da UFF, Alejandra Estevez, acredita que a criação do Museu do Trabalho e do Direitos Humanos possa contribuir para reparar, mesmo que parcialmente, uma dívida histórica que o Estado brasileiro tem com todos os perseguidos políticos da região durante a ditadura civil militar brasileira, ainda que de forma simbólica. ''A construção desse espaço de cultura no município de Barra Mansa é um trabalho coletivo que vem envolvendo os ex-presos políticos e suas famílias, educadores, profissionais da cultura e muitos outros atores. Sonhamos em tornar o Parque da Cidade em um espaço de encontros, de manifestação da arte e da cultura do povo de Barra Mansa e da região sul fluminense'', enfatiza a, também, professora da UFF.
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Parque da Cidade em Barra Mansa - Divulgação
Parque da Cidade em Barra MansaDivulgação


Contexto Histórico - O 1° Batalhão de Infantaria Blindada (BIB), sediado na cidade de Barra Mansa, foi criado em 1950 com a função de “assegurar a ordem pública” na região. As investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio) e da Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda (CMV-VR), além dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa da UFF-VR, revelaram os grupos mais atingidos pelas forças repressivas, organizadas em torno do batalhão. O primeiro grupo a sofrer as consequências diretas da perseguição política foram os trabalhadores da CSN e os diretores do Sindicato dos Metalúrgicos da região, provocando sistematicamente a demissão de inúmeros trabalhadores e dificuldades para conseguir emprego no entorno. A partir de 1966, com a chegada do bispo Dom Waldyr, os católicos progressistas se tornaram o novo alvo das perseguições políticas. Isso porque a Igreja passava a se dedicar a um trabalho pastoral junto às comunidades mais pobres e se posicionava de forma crítica ao regime militar. Padres e militantes católicos foram intimados, obrigados a prestarem depoimentos, presos e torturados, sob a responsabilidade do 1° BIB.

A condenação judicial dos envolvidos na tortura, por determinação da própria Justiça Militar, ganhou repercussão nacional, sendo relatada pelo jornalista Elio Gaspari em seu livro “A Ditadura Escancarada”, no qual narra a morte dos quatro soldados. O livro também afirma que “a oficialidade do 1º BIB sabia o que acontecia no Arquivo” e seus fatos narrados respaldam os testemunhos dos militantes políticos de que o 1° BIB era uma “sucursal do inferno”, onde as torturas eram praticadas cotidianamente com a finalidade de perseguir politicamente opositores.
De acordo com Geralzélia Streva, irmã do soldado Geomar Ribeiro da Silva assassinado pelas forças do 1° BIB em janeiro de 1972, os registros e a resignificação daquele espaço são essenciais para que o povo brasileiro não apague da memória toda a crueldade da ditadura. ''Muitos não sabem o que aconteceu, que o sangue de muito inocente rolou no chão deste país, fazendo da época 'dias de morte', onde militares corruptos e assassinos agiam livremente. Isso aconteceu dentro da minha casa, com a minha família. Meu irmão, que prestava serviço no BIB, foi torturado e morto nessa época. Eu gostaria que as pessoas pudessem saber dessa história, porque muitos não sabem, duvidam que tenha existido", desabafa a familiar do oficial.

O curta ficará disponível nos canais do CEMESF e da Quiprocó Filmes no YouTube:
-CEMEFS https://cutt.ly/shUtmZ8
-Quiprocó Filmes https://cutt.ly/JhUtKVb