Desde que decidimos abrir as portas do Parque Lage para a exposição 'Queermuseu', tenho recebido mensagens a favor e contra nosso posicionamento. É um momento oportuno para refletirmos sobre a censura, muito mais do que para discutir sobre o que é ou deixa de ser arte. Não estou qualificado para determinar o que seja arte. Ninguém está, pois arte não se determina. A questão é: se algo desagrada aos meus olhos, como autoridade pública, devo proibi-lo?
Sou cristão e tenho três filhas, de 14, 11 e 5 anos. Se eu as levaria para uma performance de nudez ou para a mostra 'Queermuseu', é outra questão. Estou certo de que a maioria dos pais agiria como eu, mas hoje, com a informação voando à velocidade da luz, quantos de nossos filhos já não receberam as imagens de 'La Bête' por e-mail ou pelo WhatsApp?
No museu, a indicação etária adequada precisa estar à vista, na entrada do evento ou da sala com conteúdo que possa ser considerado impróprio. Cabe a mim ou ao diretor do museu garantir que a indicação esteja lá. Mas não é nossa responsabilidade decidir quem entra ali (e com quem). Já coube ao Estado ditar tudo isso; hoje não mais, felizmente.
No século 19, em nossa cidade, os lugares do samba eram considerados sujos, ambientes de perdição e imoralidade. Algo assim não deveria ocorrer hoje em dia, mas há retrocessos. Um empresário paulista publicou uma ideia legislativa no portal do Senado classificando o funk como "crime de saúde pública". Precisamos perceber que só mudou o cenário das incompreensões. E refletir: hoje, quero proibir algo que me desagrada, mas e amanhã?
Erra quem generaliza ao dizer que o evangélico é a favor da censura, de proibir a arte com a qual ele não concorda. A grande maioria tem sua religião como um caminho para chegar a Deus, elevar sentimentos, ajudar a melhorar um mundo tão ameaçado por ódio e confrontos. A maioria dos cristãos sabe que, ao longo da história, sua crença também sofreu incompreensões, censura, perseguição. Ainda acontece, em vários países.
Se há governantes que preferem embargar uma exposição de arte, considero um equívoco. Não é minha intenção medir forças com ninguém, mas, como secretário estadual de Cultura, não tenho o direito de concordar com a censura. Existem manifestações de homens públicos, das quais discordo, que propõem mudanças na Lei Rouanet para vetar projetos que "vilipendiem a fé" e "promovam a sexualização precoce". São conceitos subjetivos, abrem a estrada ao autoritarismo. Como cristão, sei que Jesus não pertence apenas à minha religião. Ele faz parte do imaginário popular; portanto, é assunto para a arte. Também não acho honesto acusar artistas de pedofilia por obras tão abertas à interpretação do público.
O Museu d'Orsay, em Paris, retomou uma campanha de 2015 chamada "Tragam seus filhos para ver gente nua". Cartazes nas ruas, paradas de ônibus e estações de metrô têm obras famosas junto a frases chamando a família para o museu. Mesmo com a força do catolicismo na França, a campanha não foi vetada, nem censurada a exposição. Eu não faria uma campanha com esse teor, tampouco censuraria a propaganda. Qualquer pedra que jogamos na liberdade volta-se contra nós para machucar.
Nós, da Secretaria Estadual de Cultura e da Escola de Artes Visuais Parque Lage, queremos a 'Queermuseu' em nossa cidade cosmopolita, mesmo sem dispor de recursos. Oferecemos o espaço e vamos buscar outras formas de financiamento, se for preciso. Sentimos muito se nosso posicionamento ofende alguém, mas acredito ter explicado nossa intenção de forma coerente.