Rio - Criado no Méier e morador de Laranjeiras, o engenheiro Flávio Torres, de 60 anos, atravessa a cidade todo ano com um grupo de 15 amigos para curtir o Carnaval na Intendente Magalhães, no Campinho. A 22 quilômetros do luxo da Sapucaí, já viu muitas cenas curiosas. "Lembro que uma vez só tinha uma baiana representando a ala toda em uma escola", conta. No corre-corre da concentração, muitas vezes sem gente suficiente para desfilar, homens acabam colocando vestidos rodados para representar as bravas nordestinas. "Só não pode deixar a barba à mostra!", ressalta o rodoviário Bruno Surcin, 29, que mora na Vila Valqueire e frequenta a folia no bairro vizinho há 7 anos.
De um lado da rua, a atmosfera cinza do trânsito abre alas para alegorias e fantasias coloridas. Buzinas e motores dão lugar à batucada. De outro, cariocas e turistas, moradores da Zona Sul à Zona Norte, jovens e idosos comem, bebem, cantam e sambam, juntos, em volta de barraquinhas de churrasquinho, hambúrguer e cachorro-quente. Ninguém paga para brincar. Palco da festa do povo há 13 anos, a Estrada Intendente Magalhães entre os números 116 e 270 reúne cerca de 200 mil foliões em cinco dias de desfiles.
De sábado a terça de Carnaval e no sábado seguinte, das 20h até o sol raiar, pelo menos 56 escolas dos grupos de acesso B, C, D e E cruzarão os 380 metros da passarela em busca do mesmo sonho: escalar rumo ao estrelato na Sapucaí. Mais de 100 famílias que moram no Conjunto Residencial Waldemar Rodrigues da Silva têm camarote privilegiado. A maioria espera ansiosamente fevereiro chegar e curte a folia em cadeiras de praia.
Desde que se mudou para a Intendente, há 11 anos, a professora de Educação Física, Maria Isabel Salvado, 35, desfila todos os anos em três, quatro, cinco escolas. Até na última semana de gravidez do Miguel, de 6 anos, não abriu mão da folia. "Perdemos as contas de em quantas escolas a gente desfila, porque estão sempre precisando completar as alas. A gente prende o chinelo na cintura, bota a roupa ali mesmo e vai". A letra do samba, aprendem na hora.
A simplicidade acolhedora não distingue rainhas e súditos. Até o ano passado as musas trocavam de roupa no meio da rua. Em 2018, a Tradição vai ceder um camarim para a equipe da empresária Clara Cruz, que mora no mesmo condomínio que Isabel, aprontar as beldades com preços camaradas. Musa da São Clemente e da Renascer, Egili Oliveira, 35, estreia este ano na Intendente como rainha de bateria da Mocidade Unida do Santa Marta. "Não importa se é no Grupo de Acesso ou Especial. O Carnaval é para o povo", diz a mulata. E é para o povo mesmo. Das arquibancadas, a galera pode descer e desfilar na sua escola. Como em 2008, quando cerca de 150 moradores do Jacaré seguiram a Unidos do Jacarezinho entoando o samba.