Juliana Dias - Divulgação
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Por Juliana Dias Pesquisadora em Comunicação

Legislações e mecanismos de privatização têm limitado o acesso a comida como bem comum, negando seus atributos não econômicos. O alimento como bem comum valoriza as múltiplas dimensões da comida, favorecendo sistemas alimentares mais justos e sustentáveis, enquanto o alimento como uma mercadoria se opõe radicalmente a suas outras dimensões, não importando mais a sobrevivência, identidade cultural ou vida em comunidade. Este pensamento reducionista e simplificador é apontado como as raízes da falha do sistema alimentar global.

Segundo relatório de entidades da sociedade civil levado à ONU, em 2017, o Brasil pode voltar ao mapa mundial da fome. O alerta acontece apenas três anos depois de o país sair deste mapa, o que significa ter menos de 5% da população sem se alimentar o suficiente.

Em carta aberta à Unesco, em defesa da participação da sociedade civil e dos fazedores de cultura alimentar e agroecologia no encontro mundial das cidades criativas, foi ressaltado: "Vivemos em uma sociedade que produz sementes que não brotam, que criminaliza alimentos artesanais sadios, que flexibiliza leis sobre agrotóxicos e transgênicos, que provoca a contaminação do leite materno por exposição a venenos agrícolas banidos na Europa e subsidiados no Brasil".

Ao refletir sobre a alimentação humana, o autor francês Claude Fischler chama a atenção para a relação íntima que o ato alimentar contém. Ele afirma que a alimentação tem uma função biológica vital e, ao mesmo tempo, uma função social essencial. É um fenômeno complexo. Suas facetas inumeráveis se ordenam segundo duas dimensões, pelo menos. A primeira se estende do biológico ao cultural, da função nutritiva à função simbólica. A segunda, do individual ao coletivo, do psicológico ao social.

Comida é patrimônio, é bem material e imaterial, é afeto, memória e identidade. Uma das campanhas atuais realizadas pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional mostra que a articulação de movimentos culturais e sociais que se associam a partir da dimensão cultural da comida é uma das saídas.

Apoiar a Agricultura Familiar e camponesa, a Agroecologia e a Cultura é religar, tecer e reconstruir, em redes, uma nova forma de fazer política a partir do pensamento complexo, do diálogo de saberes latino-americanos que emergem, como o Bem-viver e o Bem-Conhecer. E porque não o Bem-Comer?

Ocupar a cultura alimentar é também compreender a potência de três práticas que estão intrinsecamente ligadas à nossa maneira de existir, organizar e transformar: cozinhar, comer junto e compartilhar comida.

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