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Por João Batista Damasceno Doutor em Ciência Política e juiz de Direito

Um Sedex foi remetido do Rio para uma cidade mineira no dia 16 de janeiro, mas o carteiro não quis ou não pôde entregá-lo. Tratava-se de notificação endereçada a um advogado de paróquia, filho de um decaído chefe político local. O cacique do grupo político do pai do advogado teve grande influência no passado; chegou a ocupar relevante posição no fim da ditadura empresarial-militar, quando os generais de Brasília dependeram do apoio dos coronéis dos grotões para retornar aos quartéis, sem responsabilizações pelas truculências que perpetraram contra o povo.

A carta chegou à cidade mineira no dia 19, sexta-feira; imediatamente, os Correios lançaram no sistema que o carteiro não fora atendido. Coisa estranha, pois se tratava de um escritório, o destinatário mora em frente, o irmão tem endereço ao lado, o pai mora no andar de cima, outros familiares moram ou trabalham em casas contíguas no quarteirão, e a correspondência não era para ser entregue em mãos próprias. Telefonema para loja comercial vizinha atestou que o destinatário estava por lá. O remetente telefonou para a agência dos Correios, o carteiro atendeu e disse que entregaria na segunda-feira, dia 22. Mas, estranhamente, deixou expresso em conversa gravada que, por se tratar de notificação "envolvendo interesse de terceiros", a correspondência obedeceria a certas condições para a entrega.

O remetente rumou para a cidade do destinatário no fim de semana. Na segunda-feira de manhã fotografou as portas abertas do escritório do destinatário, esperou os Correios abrirem e aguardou o que seria lançado no sistema de rastreamento. Logo se registrou que o objeto seria devolvido porque o destinatário não atendera o carteiro. Às 9h55, o remetente postou na agência dos Correios da cidadela carta endereçada à própria funcionária que protocolava as correspondências. Ela estranhou postar uma carta para si própria. Notificava-se o vício no procedimento do carteiro, que poderia caracterizar crime de falsidade. Sem demoras, ouviu: "Seu Sedex será entregue agora". Às 10h08, a agente registrou que recebera a carta lhe enviada. Às 10h11, o carteiro saiu para entrega do Sedex. Às 10h30, o sistema registrou a entrega ao destinatário e fora apagada a informação de que tinha sido devolvido.

Se a entrega de uma carta ao filhote de decaído chefe político local exige tanto malabarismo, o que dizer do conceito de cidadania no interior do Brasil? Como falar em direitos quando a obtenção de serviços públicos demanda intercessões? Como gerir um país e construir seu futuro se a governabilidade demanda atender às emendas parlamentares e outras injunções para alimentar esta rede de apadrinhados que mantêm intacta a máquina de fazer favores e atender a interesses escusos?

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