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Por Gabriel Chalita

O 30 de janeiro é o Dia da Saudade. Assim decidiram. Só não podem decidir que seja este o único dia em que se possa sentir saudade.

Rubem Alves dizia que "a saudade é nossa alma dizendo para onde ela quer voltar". Voltar ao tempo da inocência? Voltar ao lugar em que imaginávamos que todos fossem bons? Voltar à antiga fotografia, quando estava ela completa, quando ninguém havia partido? Voltar ao olhar que tínhamos, quando pela primeira vez nos apaixonamos? Voltar aos ditos envergonhados quando queríamos saber o que depois de algum tempo virou rotina?

A saudade tem o poder de perfumar a rotina? Um andar de bicicleta acompanhado. Depois de termos aprendido. Um nadar de rio. Um procurar quem surgiu e desapareceu. Um tentar entender o sentimento que nos assalta e que muda nosso estar no mundo.

Saudade da paixão. Da paixão cortante que nos fazia provar que estávamos vivos. Um banho de mar. Saudade da primeira vez que vimos a imensidão do mar. Suas águas caprichosas. O ir e vir. O trazer e o levar. O apagar. O recomeçar. Saudade do sol se espreguiçando e anunciando novidades ou de sua despedida. Sabe ele a hora de partir. E lá vêm a noite e seus mistérios. Saudade dos anoiteceres acompanhados. A foto pode estar com alguma ausência, mas a memória a guarda como se guarda uma preciosidade.

Saudade de acreditar em amor. De acreditar em verdade. As mentiras foram chegando, uma a uma, e desmoronando sonhos e nos apresentando pesadelos. Saudade de uma noite de sono bom. Quando a preocupação que tínhamos era um jeito novo de brincar. Apenas isso. Saudade do colo da mãe. Saudade do choro do filho. Saudade das mãos do pai. Saudade do engatinhar. E os aniversários festivos. E os natais alegres. E as comidas feitas com temperos de conversas. Era bom estar na cozinha. Os calores nos aqueciam.

Saudade das músicas de ontem, que nos resgatam tempos, que nos rasgam sentimentos. Até dos choros se pode ter saudade. Bob Marley disse sobre a saudade. Que "é um sentimento que, quando não cabe no coração, escorre pelos olhos". Saudade do tempo que veio antes do endurecimento. Chorar era bom quando ainda não tínhamos vergonha de expressar os sentimentos.

Saudade da liberdade. As amarras foram surgindo e nos prenderam desprevenidos. Onde estão as chaves que abrem as fechaduras para que possamos novamente sorrir? Saudade do sorriso. Do sorriso sincero nascido de um gesto simples de um cotidiano simples repleto de significados. Saudade de não precisar explicar nem entender, apenas viver.

Saudade de dançar sem precisar comparar com outro dançarino para saber quem dança melhor. Apenas se entregar, se divertir. Sem preocupações nem ameaças.

Saudade de mim, antes das tormentas. Tormentas que talvez tenha eu mesmo autorizado.

E, então?

A saudade é sobre o ontem, mas é uma inspiração para o que ainda virá. Sempre vem. Enquanto estamos vivos, sempre vem.

Que o hoje seja como um dia sonhamos. Para que amanhã uma lágrima de emoção nos acompanhe quando olharmos para o que agora estamos decidindo, fazendo.

Hoje também é dia da saudade.

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