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Por Luís Pimentel Jornalista e escritor

Já contei essa história, mas vou contar de novo. Afinal, a inspiração foi um desfile do Cordão da Bola Preta, memorável como todos, num Carnaval que passou. O bloco mais antigo do Rio está comemorando o mais ilustre centenário de bons serviços prestados à cidade, à alegria e ao espírito carioca. O velho e nosso Bola, a respeito de quem não resta a menor dúvida (em todos os sentidos), que para homenageá-lo nem precisa de fantasia, pois qualquer camisa branca como uma bolinha preta veste o corpo e a alma.

Vamos ao causo, como o causo se deu:

Manhãzinha do Sábado de Carnaval/Cena externa/Cinelândia.

A freirinha de bigodes puxou uma cadeira no boteco da Evaristo da Veiga. O garçom pegou o espírito da coisa e chegou junto:

"Bom dia, irmã. O que deseja?"

O folião descera de Santa Teresa na véspera, depois de se esbaldar no Bloco das Carmelitas. Fizera o caminho via Copacabana, deixando os últimos pedaços no quase-bloco do Bip-Bip. Estava um caco:

"Me vê um pastel."

"Queijo, camarão ou carne-seca?"

"Qualquer um. É só pra ter o que estômago mandar de volta."

"Vai no de carne-seca, freirinha. Tem mais volume."

O marmanjo de hábito e touca negros riu e pediu uma dose dupla.

"De quê?"

"Qualquer coisa", e abraçou o garçom, que àquela altura já era um amigo de infância:

"Vou te contar uma história triste."

"Já sei. Esqueceu a carteira no convento."

"Pior. Perdi um amor aqui, ano passado, no começo do desfile."

O garçom puxou a outra cadeira:

"Jura?! Conta mais."

"Linda. Vestido de seda branca, transparente, uma bolinha preta em cada seio, homenageando o Cordão. Olhava nos meus olhos e repetia 'lugar quente é na cama...'"

"Vou chorar", gemeu o garçom.

"Deixa de viadagem, o papo é sério", ralhou o outro, que precisava a todo custo manter as aparências.

O Bola Preta inchava em direção à Araújo Porto Alegre. O garçom pediu um tempo ao patrão e resolveu ajudá-lo na busca, pois amigo é pra essas coisas. E lá foram os dois, na emoção do Cordão, em busca do amor de um e do sonho do outro, pois sem sonho e sem amor nem o Carnaval dá conta.

O dono do bar diz que o seu funcionário não voltou até hoje.

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