Clarice Lispector, com seu olhar  expressivo, dava depoimento para a posteridade no Museu da Imagem e do Som, em 20 de outubro de 1976. A jornalista e escritora morreu há 40 anos, aos 56 de idade, em decorrência de um câncer. Moradora do Leme, em maio de 2016 foi imortalizada na cidade com uma estátua no bairro onde viveu por 12 anos. - Arquivo O DIA
Clarice Lispector, com seu olhar expressivo, dava depoimento para a posteridade no Museu da Imagem e do Som, em 20 de outubro de 1976. A jornalista e escritora morreu há 40 anos, aos 56 de idade, em decorrência de um câncer. Moradora do Leme, em maio de 2016 foi imortalizada na cidade com uma estátua no bairro onde viveu por 12 anos.Arquivo O DIA
Por Thiago Gomide
Ucraniana de nascimento, Clarice Lispector era exemplo de carioca que corre atrás para pagar as contas. Trabalhou como tradutora, escritora e jornalista. Ajudou a adaptar textos de Agatha Christie, Oscar Wilde e Edgar Allan Poe. No Jornal do Brasil, com direção de Alberto Dines, ela assinou uma coluna.
Foi nesse período que escreveu "entrar no Jardim Botânico é como se fôssemos transladados para um novo reino".

O mesmo Jardim Botânico que o Ministério do Meio Ambiente deseja transformar um Museu em Hotel.

Voltando a quem interessa.

Na revista Manchete publicou "Diálogos Possíveis com Clarice Lispector", entrevistas com figuras importantes da cultura do País, de maio de 1968 a outubro de 1969.

Pausa para a interação entre a escritora e o poeta Vinicius de Moraes.

Clarice Lispector – Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência, você que é livre por excelência?
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Vinícius de Moraes – Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.
Vinícius foi expulso do Itamaraty pelos militares, após o começo do regime.

Clarice tem uma longa caminhada junto às crianças. A literatura dela voltada para o público infanto-juvenil é muito rica.

“Clarice Lispector escreveu quatro histórias para crianças: "O mistério do coelho pensante" (1967), "A Mulher que matou os peixes" (1968), "A vida íntima de Laura" (1975) e "Quase de verdade" (1978). Por meio de uma linguagem que se aproxima de uma conversa, Clarice instiga o pensamento crítico e criativo das crianças. Suas histórias envolvem bichos que fazem parte do cotidiano delas e da própria autora que iniciou na literatura infantil escrevendo para seus filhos sobre os bichos deles. Em "O mistério do coelho pensante", instiga os leitores a pensarem sobre o mistério instaurado na história: como o coelho, Joãozinho, conseguia fugir de sua casinhola todas as vezes que não havia comida nela? Mais importante que desvendar o mistério é a busca que as crianças fazem para isso. Instigar a curiosidade e a reflexão dos leitores é uma das marcas claricianas. Os vazios do texto literário vão sendo preenchidos pelos leitores e na produção para crianças não é diferente. Em "Quase de verdade", traz seu cachorro Ulisses como narrador. Realidade e fantasia se misturam numa pseudo-autoficção”, explica Cintia Barreto, escritora, professora e coordenadora da pós-graduação em Literatura Infantil e Juvenil da universidade Candido Mendes.

Grande biógrafo de Clarice, o americano Benjamin Moser conta uma história saborosíssima no livro “Clarice” (editora Cosac e Naify) envolvendo o inseparável cachorro Ulisses:

“Em 1974, uma mulher que foi entrevistar Clarice (para o mesmo O Pasquim, em que Henfil a atacara) ficou aturdida com o cachorro, ‘que engolia loucamente todos os tocos de cigarro, às vezes ainda meio acesos, que os entrevistadores deixavam no cinzeiro… Ela calmamente o deixava fazer o que quisesse’. Ulisses fazia parte de seu retorno à infância, e à maternidade. Ela contou a uma entrevistadora: Comprei Ulisses quando meus filhos cresceram e seguiram seus caminhos. Eu precisava amar uma criatura viva que me fizesse companhia. Ulisses é um mestiço, o que lhe garante uma vida mais longa e uma inteligência maior. É um cachorro muito especial. Fuma cigarros, toma uísque e CocaCola. É um pouco neurótico”.
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Contextualizando a parte do O Pasquim: o cartunista Henfil fazia caricatura de quem acreditava que, apesar de vivo, estaria morto. O “cemitério dos mortos-vivos” fazia sucesso e reunia, em especial, aqueles e aquelas que ou se alinhavam ou não combatiam o regime militar. Elis Regina e Clarice receberam suas lápides.

O ano seguinte, 1975, foi marcado por um convite especial: participar da I Conferência Mundial das Bruxas, na Colômbia.

Era a única brasileira que seria ouvida por uma plateia atenta.

O que fez Clarice? Pediu que alguém lesse o conto “ O ovo e a galinha”. “De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo” é o comecinho do famoso texto.

Aplausos. Gritos. Bis.

A impressão foi que ninguém entendeu nada.

Clarice Lispector faleceu aos 56 anos, em 1977, muito antes de imaginar que viraria sensação nas redes sociais, com citações, memes e até registros fotográficos.