Em tempos de pandemia, a compreensão do fenômeno das relações internacionais subnacionais afigura-se particularmente importante
Por Cesário Melantonio Neto
O chanceler Luiz Felipe Palmeira Lampreia lançou o conceito de diplomacia federativa, no Congresso, em 1995, ao reconhecer a importância da atividade internacional dos entes federativos. Lampreia criou a assessoria de relações federativas com o fim de acompanhar a ação externa das unidades da Federação e criou vários Escritórios de representação do Itamaraty nos estados.
Em tempos de pandemia, a compreensão do fenômeno das relações internacionais subnacionais afigura-se particularmente importante. Quando o Executivo federal demonstra deficiências ou falta de vontade política para combater o coronavírus, os estados e as municipalidades atuam com ações contínuas de cooperação internacional para a luta contra a pandemia.
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A interlocução paradiplomática entre as unidades federativas reforça a diplomacia federativa. A criação do Foro Consultivo de Estados, Províncias, Departamentos e Municípios do Mercosul vai na direção de uma institucionalização crescente desse diálogo, como é o caso da União Europeia com o Comitê das Regiões. As redes de cidades continuam cada vez mais ativas em suas ações de cooperação internacional a exemplo de São Paulo e de sua Secretaria de Relações Internacionais.
A cooperação transfronteiriça é outra faceta da diplomacia federativa em que agentes internacionais, nacionais, estaduais e municipais operam em prol de projetos comuns. As agências multilaterais da ONU vêm interagindo com administrações subnacionais desde os anos 1990, explorando espaços de autonomia política e legal que os países democráticos reconhecem aos governos estaduais e municipais.
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Os bancos internacionais de desenvolvimento, por exemplo, aumentaram bastante a sua cooperação direta com governos subnacionais. É o caso do banco dos Brics, que apesar da variedade dos regimes políticos dos países membros, e diferentes graus de democracia, estimula os governos locais a usar os recursos financeiros da entidade.
Caso recente de diplomacia federativa relevante foi a criação do Consórcio Nordeste para uma parceria internacional entre todos os governadores da região, com o fim de combater a pandemia e impulsionar o comércio internacional. O consórcio solicitou ao governo da República Popular da China ajuda para o envio de insumos, equipamentos, vacinas e materiais médicos. Antigamente, a relação com o exterior era algo tido como responsabilidade exclusiva dos governos centrais, mas essa situação mudou de maneira definitiva.
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Governos estaduais e municipais, no âmbito de uma federação, também têm de perseguir uma melhor inserção global e dispor de uma estratégia internacional. O Itamaraty precisa manter a preocupação constante com inclusão das unidades subnacionais no processo decisório da política externa brasileira. A globalização e a democratização são o binômio responsável pela emergência dessas novas vozes na articulação da política exterior do Estado nacional brasileiro.
Trata-se de repensar o processo de construção das novas ações da Chancelaria, redefinir os termos do debate no interior da Casa para acomodar novas questões e atores com uma reflexão crítica sobre a relação entre as dimensões interna e externa do projeto nacional.
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O receio da ação de unidades subnacionais no exterior não tem fundamento em um mundo globalizado e democrático. Muito pelo contrário, tal modalidade de atuação oferece mais oportunidades do que riscos e deve, portanto, ser apoiada pelo Itamaraty.
Nos dias atuais, 22 estados e 366 municípios brasileiros possuem algum tipo de órgão que trata de relações internacionais, o que mostra que essa prática não é passageira e deve ser estimulada e apoiada pelas autoridades do governo central. Um dos motivos que explicam a crescente atuação internacional dos entes federados é a eventual ineficiência dos governos centrais em atender as demandas políticas, econômicas e sanitárias de Estados e Municípios, impulsionando-os a relacionar-se com suas contrapartes ou mesmo com governos centrais de outros países e instituições internacionais.
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No meio acadêmico, o tema tem também despertado interesse com inúmeros trabalhos sobre a intensificação da diplomacia federativa originando uma série de discussões profícuas a partir de disciplinas como Direito Internacional, Relações Internacionais e Economia Política Internacional. Na literatura acadêmica, a atuação externa dos entes federados ficou conhecida igualmente como paradiplomacia.
A forte demanda internacional hoje de cooperação subnacional no terreno da luta contra a pandemia sublinha a atualidade das discussões retomadas sobre o papel da diplomacia federativa para fomentar o desenvolvimento local de estratégias de saúde pública e vacinação.
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Neste momento de fragilidade que vivemos a retomada de uma melhor articulação entre o Itamaraty, os estados e municípios pode ajudar na diplomacia para a Saúde. A Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (Afepa) do Ministério das Relações Exteriores, com os Escritórios de representação nos estados do MRE, tem experiência acumulada desde 1997, para implementar e reforçar essa política da diplomacia federativa.
Faço votos de que a Afepa colabore cada vez mais no processo de interlocução com as unidades da federação e, em particular, na diplomacia para Saúde.