O Brasil vai cada dia mais se desumanizando com o fascismo instalado pelo governo Bolsonaro. Muitas vezes, são os detalhes que demonstram nossas fragilidades e nossas hipocrisias. Nesta semana, faleceu Dom Claudio Hummes — arcebispo emérito de São Paulo e de Fortaleza. Foi um religioso importante e influente nos caminhos da Igreja Católica nos últimos anos. Inclusive, foi ele quem inspirou o Papa Francisco, em 2013, na escolha do nome em homenagem a São Francisco de Assis. Segundo o Pontífice, foi Dom Cláudio quem o lembrou, fazendo a associação como uma homenagem aos pobres.
Em 1975, Dom Hummes foi nomeado bispo da Diocese de Santo André, berço dos metalúrgicos do ABC. Naquela época, surgiu na política do Brasil a liderança do Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo: um operário chamado Luiz Inácio Lula da Silva.
A greve coordenada pelo líder dos trabalhadores desafiou corajosamente a sangrenta ditadura militar, que foi instalada com crueldade. O movimento durou 41 dias e mobilizou mais de 200 mil trabalhadores. O governo ditatorial fez uma intervenção federal nos sindicatos e obrigou a demissão dos operários. Dom Cláudio não só se posicionou contra as demissões sumárias, como abriu a Igreja para abrigar as reuniões dos grevistas.
Na visão do então bispo, quando se manifestou no livro "Catolicismo e sociedade contemporânea", a presença dos trabalhadores no templo não significava nenhum abuso; quem o desrespeitava era a repressão ditatorial, que ousou prender um sindicalista dentro da sacristia.
Era a Igreja abrindo as portas para acolher, abrigar e proteger aqueles que ousavam se insurgir contra os poderosos e contra a tirania. Com um olhar leigo sobre o tema, penso que esse é o sentido e o principal motivo, talvez até o único, da existência dos templos religiosos. Cuidar da alma e das dores pode ser feito até sem a presença física das capelas; mas, usar o espaço religioso como abrigo contra a repressão, aproxima aquele que não crê e que não professa a fé do trabalho e da importância da Igreja. Falo isso em homenagem ao legado humanista que Dom Cláudio Hummes nos deixa.
E permito-me fazer uma breve reflexão sobre o uso político, indevido e cruel, por um grupo racista de Curitiba, da pretensa invasão de um santuário católico, após a missa, por ativistas políticos, entre eles, o vereador negro Renato Freitas. Um caso de preconceito explícito usando o nome da Igreja Católica. Hipocrisia.
Eles ingressaram, inclusive o parlamentar do PT, de maneira pacata e pacífica na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos - tradicional lugar de acolhimento dos negros -, após um protesto em razão bárbaro e covarde assassinato do congolês Moïse. O grupo entrou pelas portas que estavam abertas. Os supremacistas brancos de Curitiba, que não suportaram a presença de um negro e pobre, mas não humilde, nas dependências da Câmara dos Vereadores, encontraram um motivo para cassá-lo e tirar seus direitos políticos. Mesmo a Arquidiocese de Curitiba manifestou-se contrária à cassação, porém, posicionou-se a favor de "medida disciplinadora proporcional", em grave descompasso com o espírito cristão do grande Dom Cláudio Hummes, que acolheu os perseguidos.
Juntamente com meus colegas Guilherme Gonçalves e Edson Abdala, tenho a honra de representar o vereador Renato contra esse verdadeiro estupro à democracia: a tentativa de cassar o mandato e os direitos políticos desse jovem negro e muito digno que representa a parte não racista da sociedade curitibana.
Para defender o mandato popular, estamos tendo que nos socorrer de argumentos processuais legítimos, mas que nos frusta. O ideal era poder debater mais fortemente a questão do racismo, pois sabemos que a decisão pura de destituição do cargo é do Legislativo, interna corporis, desde que respeitados os direitos constitucionais do vereador. Vamos ganhar pelos abusos cometidos pela Câmara e em respeito ao devido processo legal e à ampla defesa. À democracia, enfim.
O que realmente me encantaria seria discutir o racismo estrutural desse grupo fascista, que se empoderou com esse governo que despreza e zomba dos direitos políticos e humanos. O fascismo alimenta o racismo e eles se completam. É importante discutir o papel da Igreja nessa hora de barbárie institucionalizada. A Igreja que eu quero e que eu respeito é a de Dom Hummes: a que acolhe os oprimidos e que vive na prática a solidariedade pregada por Jesus Cristo.
Onde persistir o racismo, o desprezo e o ódio ao negro, não pode existir a presença de nenhum Deus, não pode existir Igreja e muito menos democracia. Sempre nos lembrando de Desmond Tutu, Arcebispo da África do Sul e Prêmio Nobel da Paz: "Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor."
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