KakayDivulgação
Um carrasco o vem calar
Quem não presta fica vivo
Quem é bom, mandam matar".
Cecília Meireles, em Romanceiro da Inconfidência.
Os covardes e bárbaros assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em plena floresta amazônica, é o retrato de um Brasil que nos envergonha. É como as mortes dos negros nas favelas cariocas pela milícia e pelo tráfico. É como as mortes das crianças no Brasil todo, onde 33 milhões de brasileiros vivem o flagelo da fome. É o retrato de um governo fascista que loteou e entregou a Amazônia para o garimpo, para os desmatadores, para o tráfico. Um governo que incentiva e promove a barbárie nas florestas, no campo, nas periferias das cidades.
Nós, brasileiros, já não reconhecemos o Brasil. A estupidez personificada na pessoa do presidente da República afasta de cada um de nós qualquer hipótese de identificação. O fascismo é como um ácido, que destrói tudo e corrói qualquer hipótese de esperança. Bestificaram o combate à pandemia, vulgarizaram a Cultura, a Ciência. Até mesmo as cores verde e amarela foram usurpadas como forma de nos afastar de uma ideia de nação.
A política do entreguismo e de degradação precisa de terra arrasada. Segue rigorosamente uma estratégia. O ideal para esse governo é ter o não debate, a não política, a cizânia como mote no dia a dia, a impregnação das notícias falsas e as ininterruptas tentativas de ruptura institucional. A fragilização dos poderes constituídos, a afronta ao Poder Judiciário e a submissão do Poder Legislativo que, com os cofres abertos, abre mão do seu papel constitucional. Enquanto isso, a população vai tendo acesso a uma política insana de armamento e o fim das políticas sociais é maquiado com a indústria de fake news. O Brasil vive um caos.
Nesse caos, o presidente da República, que foi insensível e sádico com os mais de 660 mil mortos pelo coronavírus, que desdenhou da dor dos que perderam seus entes queridos, se dá o direito de dizer que o jornalista inglês e o maior indigenista brasileiro foram “imprudentes” ao saírem para fazer seus trabalhos numa floresta que deveria ser nossa. Na verdade, o que esses responsáveis diretos pela destruição da Amazônia mais querem é exatamente calar a imprensa independente e afastar das florestas os indigenistas que conhecem os dramas da região.
Uma pergunta que não quer calar: por que o Bruno Pereira foi demitido da Funai na gestão do Moro enquanto ministro da Justiça? Era uma opção de esvaziamento das lideranças que realmente conheciam a questão indígena na Amazônia? Era um seguimento da política de “passar a boiada” anunciada pelo então ministro Salles? Não seria hora de convocar no Congresso Nacional o ex-tudo Sérgio Moro para explicar? Agora que ele anda rompido com o governo e desmoralizado, talvez resolva falar e fazer algo útil.
Mais uma vez o Brasil estará exposto ao ridículo mundo afora. A imagem do país nos foros internacionais é constrangedora. O Brasil virou um país pequeno, tão ridículo, que o presidente da República vai lamber as botas do presidente dos EUA para pedir ajuda nas eleições. E anuncia dia após dia a hipótese de uma ruptura institucional. Um golpe. Uma vergonha que só não constrange os bolsonaristas por não terem eles senso do ridículo.
As mortes de Dom Phillips e de Bruno Pereira estão tendo uma grande repercussão internacional, pois o jornalista é inglês e trabalha no jornal britânico The Guardian. No Brasil, o extermínio de 25 brasileiros negros numa ação policial na favela sequer ocupa o noticiário. A morte do pobre e invisível foi banalizada. A morte de brasileiros pela polícia, pela milícia, pelos garimpeiros, pelo tráfico não é notícia que mereça destaque na imprensa e não ocupa espaço na agenda governamental.
Que o drama dos dois jogue luz neste país que se encontra à deriva, às cegas, onde o compromisso com a dignidade e com a vida humana não é sequer colocado na mesa como opção. O governo optou pela barbárie e se orgulha disto. Vamos resistir e lutar para ter o Brasil de volta.
Lembro-me de João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina: “E se somos Severinos, iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre, de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença, é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
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