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A Emenda Constitucional 16, de 1997, possibilitou a reeleição para as pessoas que ocupavam cargos no Poder Executivo em qualquer nível. Foi pensada e votada para permitir que, no ano seguinte, 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso se reelegesse para mais quatro anos no Palácio do Planalto. À época, toda a imprensa acusou o governo de comprar os votos no Congresso Nacional para que a alteração na Carta Magna fosse aprovada. Gravações entre deputados federais do Acre escancararam que eles receberam R$ 200 mil cada para votar a favor. Se acontecesse na era do orçamento secreto, talvez seriam R$ 200 milhões. Afinal, em tempos de governo Bolsonaro, R$ 200 mil no Congresso equivalem a “dinheiro de pinga”.

Já no ano de 2020, em um artigo publicado no Estado de São Paulo, 23 anos depois da aprovação da emenda, o principal beneficiário, Fernando Henrique Cardoso, reconheceu, numa frase emblemática, que foi um erro ter permitido a reeleição: “É ingenuidade imaginar que os presidentes não farão o impossível para se reelegerem.” Certamente ele tem absoluto conhecimento de causa, pois sabe o que teve que fazer para ser reeleito.

No final do seu segundo mandato, o presidente Lula tinha uma aprovação popular de 80%. Seria reeleito com a mais absoluta tranquilidade. E sequer precisaria comprar a terceira eleição, bastaria sinalizar para o Congresso Nacional a sua concordância, já que a pressão para passar a nova emenda constitucional era enorme. Ele, em um gesto que demonstra o estadista que é e releva o seu espírito público, foi categórico e afirmou que não aceitaria um terceiro governo. E foi além, defendeu o fim da reeleição e um mandato com duração de cinco anos para Presidente da República. Deixou claro: “Em vez de democracia, você teria uma ditadurazinha. Eu acredito na alternância de poder”, complementando que ele não “brincava” com a democracia.

A história dá razão à posição adotada por Lula e os fatos definem a dimensão do político que ele é: não quis que o Brasil virasse uma republiqueta de banana. Essa é uma questão que tem que entrar novamente na pauta do dia.

O atual presidente da República demonstrou ser um político completamente despreparado para o exercício da importante função de chefia do Executivo. São inúmeras as manifestações que deixam evidente que ele sequer tem a dimensão do cargo que ocupa. É banal, vulgar, agressivo, arrogante, inculto e não tem o mínimo respeito pelas instituições. Escolheu uma linha política golpista e passa o tempo todo provocando o Poder Judiciário numa tentativa de desestabilizar o país.
O Legislativo, ele cooptou. Para não sofrer o impeachment, já que ele é um serial killer em matéria de crimes de responsabilidade, entregou o governo para um grupo de congressistas e só cuida da reeleição. É como se tivesse vendido boa parte dos poderes que vieram com a eleição para chefe do Executivo. Abriu mão. Loteou. Nas relações com o Congresso, atua exatamente de maneira contrária ao que apregoava enquanto era um deputado do baixíssimo clero.

Chega a ser cansativo o ataque diário que o chefe do Executivo faz aos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em alguns casos, as ações do presidente não deixam dúvidas dos crimes de responsabilidade que ele comete ao propor a quebra da institucionalidade entre os Poderes; noutras circunstâncias, parece ser mesmo caso de interdição dadas as teratologias assacadas diariamente. É constrangedor! Depois de desmantelar todas as áreas do Estado - Saúde, Educação, Cultura, Ciência e Economia -, ele agora investe contra a estabilidade democrática.

Para piorar, além da natural disposição de fazer “o impossível” para ser reeleito, como alertou FHC, temos agora um forte ingrediente: o medo do presidente de ser preso, junto com seus filhos e auxiliares mais próximos. É inacreditável um presidente da República verbalizar esse temor. É uma claríssima declaração de culpa. Ele sabe o que fizeram. Ou seja, a recondução ao cargo virou um projeto que envolve até mesmo a hipótese de evitar a cadeia do grupo que hoje comanda o país. Bolsonaro chegou a afirmar que reagiria a bala a uma ordem de prisão. O Brasil não merece viver esse show de horrores.

Há muito o que ser enfrentado para voltarmos à normalidade democrática. O primeiro passo é, agora em outubro, pelo voto, devolver esse grupo para a sarjeta de onde nunca deveria ter saído. Mas é necessário colocar alguns temas na ordem do dia: o fim da reeleição, estabelecer um mandato de cinco anos para presidente da República e voltar a colocar a política como prioridade nacional, valorizando-a como maneira de convivência entre as pessoas. É assim que se faz a democracia ser a mola propulsora de um país mais igual, mais justo, mais digno e mais solidário. Até feliz.

Lembrando-nos do saudoso Ulysses Guimarães, quando da promulgação da Carta Magna em 1988: “Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay