Rita BatistaYgor Yusiasu / Divulgação
Rita, como você enxerga sua trajetória na televisão em um cenário ainda tão marcado pela falta de diversidade e representatividade?
"Eu considero a minha trajetória vitoriosa, apesar de que eu acho que demorou para eu chegar onde eu cheguei. E não por falta de competência, não por falta de empenho, de qualidade técnica, mas porque as coisas para as pessoas pretas no Brasil demoram mais. E a depender da sua geolocalização, aí tem mais empecilhos. Então, ser mulher preta e nordestina implica em algumas coisas. Você tem, claro, ganhos, mas você não está onde o mercado publicitário, os centros de decisão e as sede das TVs estão. Isso faz com que você tenha que criar outros caminhos".
"Então, eu acho que a minha trajetória é, de fato, de se orgulhar. Eu trabalhei muito para chegar onde eu estou e não vou parar. É importante para mim, sabe? A minha carreira é um negócio muito importante, construída com estratégias, com os melhores pensamentos, com compromisso com a comunicação, seja no jornalismo ou no entretenimento".
Neste mês da Consciência Negra, o que você considera essencial relembrar sobre a história e a luta dos negros por espaço e reconhecimento dentro do audiovisual?
"Como eu digo sempre, não sou preta só em novembro, nem mulher só em março. Então, o mês da consciência negra é de fato um mês para a gente lembrar das nossas vitórias, nossas lutas, lembrar ao Brasil e ao mundo a vergonha, o escárnio que foi a escravidão e as consequências disso na nossa sociedade ao longo dos séculos... Muita gente pavimentou o caminho para que hoje a gente trilhe as nossas jornadas e lembrando que a gente vai deixar para os próximos e para as próximas gerações que serão muito maiores do que eu, do que você, que farão muito mais e melhor".
"Já que somos o sonho dos nossos ancestrais, então que perpetuemos isso, como Sankofa nos ensina, que é com os pés pra frente, mas sempre olhando o passado, saudando a ancestralidade e vislumbrando um futuro muito melhor do que o presente. É essencial, sim, relembrar essa história, mas não só em novembro, é o ano todo, porque somos corpos pretos, personas pretas, profissionais de comunicação e das artes e do audiovisual pretos durante todo ano. É claro que na sociedade imagética a gente tem as datas, as efemérides, os períodos para festejar, mas é uma bandeira que está hasteada todo o tempo, o ano todo".
Quais foram os maiores desafios que você enfrentou como uma mulher negra na televisão? Eles moldaram sua visão e atuação na mídia?
"Os desafios começam desde a estética, das pessoas não aceitarem, agora não, porque a gente tem essa abertura, as equipes diversas… Mas quando eu comecei, há 21 anos, era uma coisa de você botar o pé na porta mesmo, antes de mim era mais difícil ainda, é de você bancar certas coisas, eu tive várias discussões, problemas, por uma questão estética que queria um embranquecimento".
"'Ah não… você pode dar um jeito nesse cabelo', não tem que dar jeito, o cabelo é desse jeito. Ah, porque não dá para recortar no croma, então troca a pessoa que está recortando no croma, a incompetência é dela e não um problema meu, da minha etnia, da minha cor de pele, da minha característica física".
"Então é importante alguns enfrentamentos para que a cara preta esteja na TV. A minha atuação sempre foi essa de estar alinhada com os produtos televisivos que representei com essa comunicação, com a linha editorial daquele veículo, com a minha competência, com o meu talento, com o meu repertório, com os meus estudos aplicados a isso, estabelecendo uma conexão de verdade com o meu público, defendendo essa pessoa que é muito próxima da minha personalidade. Mas não me furtando aos enfrentamentos que são impossíveis".
Rita, você é mãe de Martim, de 7 anos! Como você passa as noções de racismo para seu filho?
"Eu faço como foi feito comigo na minha infância, a medida que ele vai crescendo, que os questionamentos vão surgindo, eu vou orientando. Martim é filho de uma mulher preta e com homem branco, então ele diz que ele é marrom. Ele sabe que, já com quase sete anos, que ele vai ter algumas impossibilidades por conta da cor da pele dele ser um pouquinho mais clara do que alguns amiguinhos, mas ele está entendendo que o mundo é esse".
"Eu acho que a infância pode ser protegida, mas não pode ser enganada. Vivemos ainda, infelizmente, num país racista que não poupa nem mesmo as crianças negras, as crianças pequenas. Então, é com muito amor, com muito cuidado, mas é uma educação antirracista, sim, é uma educação de proteção e de defesa".
O que você diria que ainda falta para a televisão brasileira representar a população negra de forma plena e igualitária?
"Pessoas negras tem hoje, já há algum tempo, casa, família, trabalho, são protagonistas, a gente está agora vivendo um momento do protagonismo negro no audiovisual brasileiro, no consumo do maior produto, que são as telenovelas, e com histórias boas, bonitas, não histórias de dor, não narrativas que nos colocam num lugar de subalternidade, com pessoas vencendo as suas dificuldades, muito alinhadas com o que o brasileiro e a brasileira vivem, mas também em tantas outras histórias de pessoas com nível superior completo, em profissões ditas de elite. Então eu acho que isso também, quando a gente faz isso no audiovisual, muda completamente a percepção de sociedade que a gente tinha, e faz com que a gente resgate. É um resgate mesmo dos anos em que não fizemos isso. O passado foi muito cruel, mas eu vejo um presente e acredito num futuro muito mais equânime".
Em algum momento da vida, você passou por alguma situação de racismo? Quais os cuidados você toma para tentar evitá-lo?
"Todo mundo que é preto, o tempo todo, passa por situações de racismo, então é só prestar atenção… Você tem que escolher as lutas, às vezes você já está tão sem paciência pra isso que você deixa passar um dia e outro, uma situação ou outra, que corriqueira. Mas ainda hoje eu chego nos lugares e sou confundida com os funcionários porque as pessoas não entendem e não acreditam que pessoas com o meu tom de pele podem estar em ambientes sendo atendidos, servidos, hospedados, consumindo naquele mesmo lugar, serviço ou produto de pessoas brancas".
"A gente estava num lugar e eu tava casada ainda, meu marido é branco e Marcel, enfim, tem dois outros filhos, mais velhos e brancos, e aí Martim tava junto e aí a pessoa passou Marcel e os dois meninos e deixou Martim pra trás, e aí Marcel falou, 'ei, não'. 'Ah mas essa criança tá com quem?' 'Então essa criança é meu filho, tá aqui, os três estão juntos, você não viu?' E é isso, acontece o tempo todo, a gente que escolhe, eu pelo menos tenho feito isso, qual batalha você vai travar naquele momento, se for no dia que eu tô mais atacada, vão ser todas as batalhas travadas com a pedagogia do constrangimento e com as instâncias superiores de justiça e de polícia. Eu não me furto".
Em quais aspectos você acredita que o audiovisual pode avançar para promover a igualdade racial?
"É importante que em todas as ambiências empresariais tenhamos na ponta das decisões pessoas negras, que os diretores, supervisores, CEOs sejam pessoas negras para que tudo isso que se debate a cada novembro negro, seja de fato colocado em prática e que esteja quadunado, ajustado com a expectativa do público e também do mercado. Isso eu expando também para o mercado publicitário, para que não tenhamos equívocos comerciais como infelizmente ainda temos, para que a publicidade ainda não se capale nessa questão racial e para que o público, que é o nosso cliente, seja contemplado".
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