Por Luarlindo Ernesto

Lá pelas bandas de 1959, um homem de meia idade foi encontrado morto, em via pública, no subúrbio de Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio. O corpo no asfalto estava ao lado de um carro ligado e de faróis acesos. Não aparentava sinais de violência. O Silva Junior, repórter da madrugada do jornal Ultima Hora, com seu guarda-chuva inseparável, parecia um inglês ao chegar ao local. Usava um terno quase preto, vestimenta comum entre jornalistas em uma época que exigia esse tipo de formalidade no ofício. Hoje, os trajes usados pelos repórteres são bem mais casuais.

Ao se aproximar da cena do crime, Silva Junior não perdeu tempo: deu dois golpes com a biqueia do guarda-chuva no peito do morto. Eu acompanhava toda a cena, sem querer acreditar que o jornalista havia golpeado um homem morto. Em meio à espera pela chegada dos peritos, o dia já havia amanhecido. Nunca bebi tantas doses de cafés como naquela madrugada.

Com a chegada dos peritos, já pela manhã, descobri que eles usavam os dedos para determinar o calibre das armas usadas nos crimes. Polegar serve para identificar o calibre 45 ou 9 milímetros. O indicador é o calibre 32. O dedo médio determina o calibre 38. O anelar, vulgarmente conhecido como "seu-vizinho", representa o calibre 7,65. O mindinho é o calibre 22. E foi esse o dedo usado pelo policial-perito para determinar o calibre usado no crime, ao colocá-lo nos dois orifícios do peito do morto.

Pronto. Silva Junior logo concluiu: "22 é arma de mulher". Estava ali o enredo da história, com direito a uma mulher misteriosa suspeita de ter matado o amante. Um caso digno de trama de Nelson Rodrigues. Mas os legistas concluíram que a causa da morte foi infarto.

Mas, e os dois "tiros" no peito?

Os ferimentos tinham entrada. Mas não havia buraco de saída do corpo e nem existiam balas. Exames de raio-x nada encontraram. Os legistas ficaram atônitos. Havia até a possibilidade de a vítima ter sofrido o infarto no momento dos golpes desferidos pelo assassino.

O morto era um homem conhecido na cidade. Quase da alta sociedade. O mistério rolou por muito tempo e provocou debates, discussões, simpósios e o diabo a quatro. Pior, na versão publicada no jornal, escrita pelo repórter, havia a presença de uma mulher, que ninguém sabia a identidade. O mais hilário foi quando o delegado encarregado do caso escreveu um nome em um pequeno pedaço de papel e passou para um repórter de jornal concorrente da Última Hora.

Confusão geral. Agarraram o repórter, tomaram a anotação dele e viram o nome passado pelo policial. Afinal, todos acreditavam que aquele era o nome do criminoso. Não houve ninguém que convencesse a turma que se tratava de nome de medicação, passada para aliviar as dores de cálculo renal. Faltou pouco para o nome do remédio virar o nome do suspeito.

 

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