Por Luarlindo Ernesto
Tudo começou com o espanto, seguido do medo, as ruas vazias, comércio fechado, todos trancados em casa, tentando saber o que fazer para se proteger do vírus mortal que estava chegando da China. E que acabou vindo da Itália. Aqui, por cima da minha caverna, passam as vias aéreas da Ponte Rio-São Paulo. Nem os aviões apareceram na manhã ex-barulhenta com os sons dos jatos. Até os pássaros, pareciam que estavam recolhidos. Nunca tinha passado por tanto silêncio.
Algo terrivelmente notado. Parecia que a pandemia iria fugir do Hemisfério Sul, mais precisamente na Água Santa. Eu confirmo que até as barulhentas, e às vezes inconvenientes motocicletas com descarga livre, não estavam zoando pela Linha Amarela. Foi apavorante. O primeiro telefonema, que recebi na manhã de 19 de março, e que rompeu a "lei do silêncio" foi da filha mais nova. "Pai, não esqueça de abarrotar a dispensa. Vai faltar tudo !"
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Eu já estava no isolamento desde dois dias, a partir de 17 de março, expulso da redação por medida de segurança. Falando em tom baixo, nem sei porque, respondi à filha que não iria participar da corrida às prateleiras dos mercados. Quase fui massacrado, via celular.
Uns três minutos depois, recebo ligação da mais velha, que se tornou belorizontina. - "Ô pai, deixa de ser velho teimoso e trata de comprar comida para estocar". E, mais, em seguida, a do meio, a que mora em Cachoeiras de Macacu, envia alertas pelo zap e por chamada com vídeo: "Já fez a lista das compras ? Evite enlatados. Não esqueça de ler os prazos de validade nos produtos".
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Pronto, entrou em ação a voz alta e estridente da patroa: "Melhor escutar as garotas. Se troca e vamos às compras. Não demore para se arrumar". Sou minoria silenciosa. Mas, resolvi reagir: "Não vou participar dessa corrida desenfreada aos mercados. Me recuso". Acabou o meu sossego. Para manter o celular ocupado, tratei de telefonar para o chefe de reportagem e passar algumas notícias - que poderia ter passado pelo zap - e, claro, para desabafar também ! 
O chefe estabeleceu as prioridades (hospitais, postos de Saúde, medicamentos, equipes médicas e medidas sanitárias), de início. Ora muito bem. Estamos conversados. E a patroa me cobrando a ida às compras. "As meninas têm razão, vai falar tudo". Resolvi flexibilizar: fui até a confeitaria e comprei razoável estoque - meio quilo - de fermento de padeiro. Se faltar pão, eu produzo aqui em casa, no forno a lenha (já pensando em faltar gás). O básico - feijão, arroz, açúcar, sal, manteiga, café - já tinha na dispensa e a geladeira estava confortavelmente sortida. Ah, carne e pescado, devidamente embalados no freezer. Frutas? Tenho bastante no quintal. Posso ficar isolado na caverna. O grande problema é a internet. Álcool ? Sim, tenho bastante.
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Mas, o primeiro domingo da pandemia, shoppings fechados, praias cheias, movimentação dos transportes quase parando em colapso, fiquei admirado, e sem entender - até hoje não entendi - com os noticiários nos jornais, rádios e emissoras de televisão: álcool gel, máscaras e luvas, venderam menos que o papel higiênico. Quem explica o fenômeno? Eu, cá entre nós, desconfio que a Venezuela tem tudo a ver. Lembram que o mundo inteiro ficou sabendo que faltava esse produto no país vizinho ? Até os irmãos americanos do Norte correram para comprar rolos e mais rolos.
Tenho uma opinião, não sei se vou agradar, mas poucas pessoas conheceram os bidês, instalados nos banheiros das casas, sempre ao lado dos vasos sanitários. Pois bem, a corrida imobiliária fez com que fosse abolido esse invento higiênico, desprezado por praticamente a população mundial. É para economizar espaços... Então, na falta dos bidês, tomem papel higiênico - que de higiênico nada tem - Mas, afinal, não faltou papel higiênico no mundo. Bem, só na Venezuela...
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