Por Luarlindo Ernesto
"Ô pai, você já contou aquela história da prótese de membro superior, aquela que foi apreendida pela polícia ?" - A pergunta, da filha primogênita, acendeu a luz da memória. "Sim, tá aqui no computador cerebral", respondi. É que, nas reuniões de família, me provocam a contar causos engraçados dessa minha curta vida no jornalismo diário. Claro, só conto as engraçadas. As mais sanguinárias, ou violentas, guardo no fígado. Jamais na memória.
E, a filha, foi mais adiante. "Pena que, escrevendo, não tem como mostrar a cenografia..." Concordei, de imediato: "Vai faltar a encenação corporal..." Mas, depois de aceitar o pedido, vou em frente.
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O caso aconteceu no início dos anos 1960, na Rua do Camerino, quase na esquina de Rua Sacadura Cabral, bem na escada que liga a do Livramento e a da ligação com a Sacadura Cabral. Caramba, geografia do século passado. Mas, para melhorar a coisa, vou começar do início.
Aliás, as escadas ainda estão lá, para quem achar conveniente ver como se construía uma escada...ou duas, de pedras. Acho que o bairro é Gamboa. Ou era, quando eu ainda tinha os cabelos pretos... Na época que aconteceu a versão que me chegou, um dos partícipes morava aqui na minha caverna. Era um policial que, se aposentou e, ao dividir os bens com a ex-mulher, ficou sem casa. Pediu um pouso temporário aqui na minha caverna - foi meu vizinho por muitos e muitos anos - e, como eu morava sozinho, cedi um dos quartos para o camarada.
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Solidariedade de solteiros por força ou por opção. Bom deixar claro que, Roberto não foi o primeiro e nem o último dos ex-casados a pedir "apoio-moradia" após separações conjugais...
Mas vamos em frente. Nas conversas diante da churrasqueira, quando o pagamento esticava, eu e Roberto - nome fictício - relembrávamos passagens da vida (as vezes, de mortes). Ríamos, ou chorávamos, das lembrança (boas e más). Coisas de "recuerdos", ao som de francês-uruguaio-argentino Gardel, ou Bienvenido Granda, ou Lupicínio Rodrigues (que cantava a vida das "perdidas", bem melhor que Gardel, nas letras lamuriosas de "Nervos de Aço" ou mesmo de "Vingança"), reproduzidas no velho toca-discos, com a agulha doida para se aposentar. Saudades do velho gaúcho que se apaixonava pelas mulheres da chamada "vida fácil".
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Conheci o cidadão pessoalmente em uma ocasião que, o empresário Ari de Carvalho, também gaúcho, patrocinou sua vinda ao Rio de Janeiro. Querem saber mais? Ainda presenciei, nessa ocasião, do encontro entre Lupicínio e Ismael Silva, um dos que plantou a semente que germinou as escolas de samba. Notaram os dois expoentes da música brasileira cantando, bebendo e contando histórias ? Euzinho lá, quietinho, só escutando... Ih, aí tem conversa pra mais de metro! Quero, e devo, voltar às conversas com o Roberto antes de esquecer.

"Eu trabalhava na delegacia policial da Praça Mauá. O delegado havia recebido denúncias de que uns malandros instalaram jogo de carteado nas escadinhas da Camerino. Eu, e mais três colegas, organizamos o plano de cercar as duas escadarias e prender todos que estivessem na inflação penal", contou o policial aposentado, enquanto dedilhava as cordas do seu violão inseparável.
A ação foi distribuída de maneira que dois agentes ficaram em cada escada, para darem o bote final. Segundo a estratégia, tudo daria certo. Ótima teoria. Mas, vamos à prática: "Quando gritamos a palavra 'polícia', a correria, em meio a precária iluminação pública, foi inevitável. Nós não esperávamos ter tanta gente naquele carteado", justificou Roberto.
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Surpresas para os jogadores e susto para os policiais. Roberto explicou que, para tentar prender pelo menos um dos alvos, resolveu deixar passar a turba que fugia na direção à escada da Camerino, onde ele e um companheiro se postaram. "Vou pegar o último, avisou". Ficou encostado a uma parede visualizou o que seria seu prisioneiro. Teve a paciência de deixar passar os primeiros - que, seriam, no cálculo dele, uns dez - e pulou para agarrar o elemento que escolhera.
A reação, ainda segundo Roberto, foi instantânea. O quase preso se debateu, pulou, gritou e conseguiu continuar a correr. Roberto, pego de surpresa, não entendeu o que acontecera. O braço do cidadão estava em suas mãos. Céus, era uma prótese ! Pelo menos, o policial tinha uma pista do suspeito. De volta à delegacia, a operação rendeu a prisão de um elemento e a mais o braço de outro que fugiu. Fracasso quase total. Dias mais tarde, Roberto soube, através de um "X9" de confiança, que o dono da prótese era o Torquato, o organizador da jogatina. "Foi fácil encontrar, chegar até ao dono do braço suspeito e prender Torquato", concluiu.