Por Luarlindo Ernesto
Parece que já ví esse filme...Início da adolescência, lá nos anos finais da década de 1950, quando a vida era regida pelos machões de plantão, eu encarei os dois lados da moeda. A avó paterna me dava carinho, moldava meu caráter, me proporcionava uma existência fora da realidade que me cercava.
O marido dela, o "avô postiço, o segundo casamento da avó, me dava conforto, porrada e bomba. Ele cuidava dos negócios da família, o ponto do jogo de bicho que herdara do avô verdadeiro, morto por infarto anos antes. Era o Antenor, alagoano bronco de Palmeira dos Índios, rebelde, enviado à Marinha aos 14 anos "para consertar o comportamento", e que encarava a existência com a lei do mais forte.
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O pai dele, o "seu" Isidoro", que lutara na guerra contra o Paraguai, veio para o Rio de Janeiro após ficar cego. Foi viver no Asilo dos Inválidos da Pátria, na Ilha do Bom Jesus. Antenor, então, veio junto, passando adolescência entre a ilha e o Caju, terra sem lei na época, de machos, valentões e malandros e da navalha Solingen, forjada com aço à maneira sueca.
Entre os afagos da avó e os repentes violentos do quase avô, fui levando à vida que Deus me deu. E, tal qual Antenor, enfiado na Marinha, de castigo, fui obrigado a trabalhar em jornal, aos 14 anos, nas madrugadas, de castigo também.
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Estudava em colégio católico durante o dia. As madrugadas, encarava a realidade brutal do dia a dia de equipe de reportagem de um matutino-vespertino que dava foco às matérias policiais. Pura selvageria de assassinatos, desastres, enchentes, futebol e política. Nas madrugadas, somente a área policial trabalhava. Era o horário - e ainda é - das tragédias humanas, na calada da noite.
Ah, meus 14 anos de idade. Vejam o choque de aprender a viver. No colégio Marista, aprendia as lições normais, além de religião, a Bíblia, família, amor, compreensão. Nas madrugadas, via a vida como ela é, cercada de cenas e atos brutais. Vida para machões.
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Para compor melhor o visual, aprendi a fumar. Todo homem, com H maiúsculo, fumava, bebia, batia na mulher, brigava na rua, cuspia no chão e falava palavrão. Para coroar, os bares eram os verdadeiros e prazerosos lares. Era difícil encarar as duas vidas, ou vida dupla, como queiram.
"Se brigar na rua e apanhar, vai apanhar mais ainda em casa !",  era o título do poema que eu ouvia do Antenor, quase diariamente. E, assim, comecei a escolher os mais fracos, da rua, para provocar uma briga. E, ganhar ! Quando o desafio partia de alguém mais forte, a saída era me defender com paus e pedras e, o que estivesse mais à mão.
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O pior de tudo: sempre era necessário conseguir uma testemunha para afiançar os meus "atos de bravura" perante a presença feroz do Antenor. Que loucura. E, ainda, distante do quase avô, a avó chegava para cuidar dos possíveis ferimentos e me chamar para analisar o meu comportamento. "Isso não é vida decente. Isso não é coisa de gente normal. Isso não se faz"...
Descobri que, para ver o arco íris, tínhamos que, primeiro, passar pela tempestade. E fui vivendo. Até que um dia, o Nilton, amigo de infância, atirou molho de pimenta em meus olhos. A cegueira momentânea me impediu uma reação à moda Antenor.
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Busquei refúgio e socorro médico em casa. Antenor me recebeu e foi perguntado: apanhou e não bateu? - E sacramentou a decisão que ficou gravada na minha mente pelo resto da vida: "Quer ser um maricas? Volta lá na rua e acaba com o cara que fez isso. Aqui, em casa, não tem frescos e nem maricas. Aqui é casa de macho" ! A avó me levou para o Hospital Souza Aguiar.