Por Luarlindo Ernesto
Foi lá pelo idos de 1994. Itamar Franco era o presidente, com o Plano Real. Antes, Unidade Real de Valor a URV, uma moeda virtual implantada para a transição entre o Cruzeiro Real e o Real, lembram? Na época, nasceu a ideia de se promover a Previdência Privada para os contraventores do jogo do bicho.
Afinal, os "banqueiros" já haviam inventado o 13º salário. Tinha o nome de Castanhas, alimento importado, consumido aqui nessa terra em época de Natal. E já cuidavam do lado social dos empregados, como auxílio-prisão, auxílio jurídico e até auxílio-doença.
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Cogitou-se o Banerj, banco chapa-branca do Estado do Rio de Janeiro, onde os"aranhas" e patrões depositariam mensalmente determinada quantia para garantir um futuro não tanto inglório na velhice. A ideia não vingou. O banco não topou e tudo caiu no esquecimento.
Acho que, hoje em dia, os empregados na contravenção pagam o carnê do INSS, como autônomos. Bem, dito isso, vou explicar o porquê veio a lembrança do caso, verídico, que pouca gente vai acreditar. Mas aconteceu e vou contar. Afinal, dois dos personagens, tenho certeza, estão vivos e soltos. E, amigos, Previdência Social está em pauta, no Congresso Nacional. Com mais emendas do que roupa velha.
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No dia 18 de abril de 1992, véspera da Sexta-Feira Santa, o Zé (ele não gosta de ser identificado), funcionário quase graduado da portaria de um prédio comercial do Centro do Rio, fez uma aposta de terno de dezenas (quatro dezenas correspondem a cada um dos grupos dos 25 animais que habitam esse tipo de jogatina) jogou Cr$ 10 e ganhou Cr$ 30 mil.
Vivíamos o Cruzeiro. Neste ano, a inflação brasileira beirava os 100%. Com o acerto do jogo, o nosso personagem teria final de semana prologado de rico. E foi assim que pensou o Zé. Mas... Ô, vida difícil e ingrata! O gerente do ponto de apostas, pertinho do bairro do Caju, se recusou a pagar o prêmio, demonstrando desconfiança na aposta do cliente.
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Zé quase infartou. Já tinha feito os planos de comprar o bacalhau e o azeite importados. Gastou por conta com alguns "amigos" no bar de São Cristóvão. Pendurou três despesas no Cantinho da Cancela, um pé sujo que faliu pouco tempo depois. Prometeu vestido e sapatos para a mulher. E disse que iria levar a família para um passeio, de táxi, até a Cascatinha, no Alto da Boa Vista.
O Zé, sem o dinheiro e desesperado, partiu para a ignorância. Avisou ao irmão mais velho, o Manoel, um ourives de primeira, amigo de policiais e banqueiros do jogo de bicho, que iria até a uma delegacia apresentar queixa. O bicheiro tinha que pagar o seu prêmio. Afinal, vale o que está escrito!
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Munido da cópia do jogo, caminhou por mais de 30 minutos até a delegacia mais próxima, em São Cristóvão. E, com os nervos em frangalhos, atacou o primeiro policial que viu na porta da DP. O agente ouviu a triste história e ficou boquiaberto com a atitude do Zé. Como procurar a polícia para reclamar do jogo clandestino?
Zé explicou, ainda, que tinha um irmão, ourives de mão cheia, que conhecia meio mundo naquela dependência policial. "Até o delegado é fregues do mano", explicou. E o detetive se lembrou do Manoel. Ele fabricava joias para policiais e contraventores do bairro. Resolveu não prender o Zé. Pegou o telefone e ligou para Manoel. E explicou a ele o inédito caso de queixa-crime na polícia contra um bicheiro.
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Caso explicado, Zé foi convencido a voltar para casa e aguardar os acontecimentos. O mano resolveu o problema com um banqueiro conhecido, o Pirulito. O contraventor mandou pagar a aposta. Zé, com o dinheiro, pagou o "devo" do bar no Largo da Cancela, comprou vestido e sapatos para a patroa, contratou o táxi para o passeio até a Floresta da Tijuca e prometeu a todos que jamais voltaria a jogar.
Hoje em dia, já aposentado, Zé é visto diariamente na Praça Argentina, pertinho do Largo da Cancela. Vive se divertindo com o jogo A Fazenda, no celular. "Bichos, hoje em dia, só esses do joguinho", disse, sorrindo, para um velho "aranha" do ponto de jogos que fica pertinho da praça. Bem, o Zé, na verdade, tem dois celulares.