Luarlindo Ernesto, o Luar - Daniel Castelo Branco / Agência O Dia
Luarlindo Ernesto, o LuarDaniel Castelo Branco / Agência O Dia
Por Luarlindo Ernesto
Rio - Tião Careca morreu em casa, antes de comer o mocotó com grão de bico, sem cascas, que havia encomendado. Fiquei triste com aquela morte. Eu mesmo preparei o cardápio predileto dele, com direito a lombo, toucinho, costelinha, carne seca, tudo em cubinhos e o mocotó devidamente desossado... - Tirei toda gordura amarela, que gruda os lábios, tipo light, para comer ou saborear no prato fundo e de colher. Tião desencarnou aqui no bairro, vítima daquela doença terrível que vem matando muita gente boa (ruim, também), e sem beber a cerveja que havia mencionado aqui, ao amigo, para acompanhar o cardápio. O enterro foi no domingo, manhãzinha, em Sulacap. Até o "Secos e Molhados, do Zé Carlos - um bar-birosca- empório- que vendia de tudo: salgadinhos,sardinha frita na hora, bebidas, material hidráulico, linha para costura, pacotes de feijão, arroz, farinha, absorvente íntimo, frios... -fechou nesse dia. Luto total. 
Era no "Secos e Molhados", que ficávamos aos sábados, esperando as explosões de dinamite na pedreira que funcionava em frente - hoje tem a praça do pedágio da Linha Amarela - distante o suficiente para nos proteger, as vezes, dos estilhaços de pedras. O Paulão, funcionário da pedreira, perfurava o paredão de granito, pendurado em uma corda, quase no meio do abismo de uns 10-0 metros de altura, perigosamente balançando com o equipamento de perfuração. Paulão era outro vizinho. E era ele que avisava, noite anterior, - as sextas feira o bar ficava com congestionamento de fregueses -sobre a magnitude do estrondo que iria provocar no dia seguinte: "Se preparem que a explosão das 11 horas vai ser da boa!", alertava ele.Era a desculpa que a rapaziada usava para chegar as 9 horas, garantido vagas nas mesas e cadeiras. Quantas vezes aconteceram explosões e ninguém notou. Também, bebendo desde as 9 horas...
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Foram essas as pedras, da Pedreira Santa Luzia, na Água Santa, as usadas nas construções da ponte que liga o Rio a Niterói. A obra, entregue em março de 1974, uniu os, dois estados, Rio de Janeiro e Guanabara, acabando com a travessia marítima em balsas, para veículos, e evitando a volta por Magé, encurtando o percurso em 120 quilômetros. E, é sempre bom lembrar, que o Metrô do Rio, inaugurado em março de 1979 também foi freguês das preciosas pedras da Santa Luzia. A novidade carioca ligava a Central até a Glória. Fenomenal! Não é para deixar os moradores da Água Santa orgulhosos ? Então, as explosões diárias faziam parte do espetáculo no bairro. E, também era o ganha pão do Paulo, o nosso homem-bomba, Quando a pedreira fechou - era um serviço concedido - para a inauguração da Linha Amarela em novembro de 1997, Paulão virou segurança em festas particulares.
Bem, voltando ao Tião Careca, ele passou longo tempo em hospitais, tentando viver. No Miguel Couto, no bairro da Gávea, Tião foi atendido por médico conhecido e amigão meu, o Dr. Paulo.Foi uma batalha e tanto. A doença se espalhou rápido. Tião não teve como vencer a luta. O médico me avisou que iria dar alta hospitalar ao paciente, "para morrer dignamente em casa, ao lado de familiares e dos amigos, com mais conforto". E, assim foi. Em dos sábados no bar-birosca-empório, aguardando a explosão do Paulão, Tião fez a encomenda; "quero comer um mocotó porreta, com tudo que tenho direito ! Sei que tô nas últimas". Atendi o pedido do amigo, Semana seguinte, com o panelão do mocotó, engradado de cervejas, seguido por uns 9 amigos, invadimos a casa do Tião. Fomos recebidos pela nora, a Bete, um,a bancária encrencada, metida a mandar em tudo: "que que isso? Que comida é essa? Que querem ? "Lá no fundo a voz do Tião... "manda entrar o pessoal, arranja pratos e copos, ô Bete. Vou me fartar hoje ". Kacetada!, Bete, com as mãos nas cadeiras, se postou na porta da sala e barrou a comitiva. "Fora, cambada de bêbados irresponsáveis. Seu Tião não pode comer essa porcaria. Nem mesmo beber. Ele vai passar mal!!! Tião, no estertor da morte, ainda teve forças para extravasar: "PQP". Morreu pouco depois. O mocotó e a cerveja foram degustados no maior gurufim que o "Secos e Molhados" abrigou...
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