Por O Dia

Diante da clausura, ou quarentena, ou confinamento, ou prisão domiciliar imposta pela ameaça mortal da Covid-19, passo o tempo de vadiagem, que o trabalho ainda me concede, assistindo a velhos filmes e vídeos do futebol -alegria de cinquenta anos que ficaram para trás. Mas as "feras do Saldanha" mexeram com meu emocional. Lembrei que, convidado a assumir o cargo de treinador do time da então CBD, deu uma seca e simples resposta: "Topo".

Estávamos, 90 milhões de brasileiros (segundo o IBGE, na ocasião) com o astral em baixa depois do fiasco de 1966, desclassificado na primeira fase na Copa da Inglaterra. Acabava a era dos "canarinhos" e entrava em campo as "feras do Saldanha". Lembram? Não parece que foi ontem? Caramba, tudo que eu lembro tem 30, 40, 50 anos... Que coisa!

Lembrei até do Vicente Feola, cochilando no banco da comissão técnica, enquanto o time brasileiro disputava, e ganhava, a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Pelé era um imberbe e chorão adolescente. O pernambucano Vavá, um verdadeiro tanque de guerra, era machão do time. Bellini, que virou estátua no Maracanã, quase um galã de cinema erguendo a Jules Rimet. Eita tempo bom. Só a Guerra Fria estragava o planeta. A Alemanha, por exemplo, chegou a ter duas seleções de futebol, a Ocidental e a Oriental. Inacreditável.

Mas o João Saldanha - saudade do velho e querido companheiro - não aceitava interferências no seu trabalho. Nos comentários nos jornais, rádios e emissoras de televisão, onde trabalhava, elogiava ou sentava o pau em quem achava que estava certo ou errado. Nem queria saber o bicho que iria dar. E começava sempre com "meus amigos"... E lá vinha o papo esperado por milhões de brasileiros.

Implicava com o cabelo tipo black power do Jairzinho, na época do Botafogo, ou outra cabeleira de outro craque qualquer: "Esse cabelão amortece a bola e o cara nunca vai cabecear direito, pô", bradava João. Dirigentes, técnicos, treinadores, jogadores, roupeiros, o dono do bar da esquina e até as torcidas eram alvos dos comentários dele.

Agora mesmo, tô aqui vendo o João entrar na redação, gravata com o nó lá abaixo do botão do colarinho, ajeitando os cabelos finos e rebeldes, indo apressado em direção à sua Olivetti. Afinal, na redação, o horário é rígido para o fechamento da edição. Até nos dias de hoje, mesmo com o tal do home office, continuamos escravos do relógio.

Nesse momento, assisto o 1 a 0 do Brasil sobre a Inglaterra. O time, do Zagallo, vai deixando o adversário cansado no estádio de Guadalajara, no México. Tostão, o doutor Eduardo Gonçalves de Andrade, enfiou uma bola para Pelé, que entregou a pelota para Jairzinho, que chutou violentamente para o gol e correu para o abraço. Mas, naquele dia, eu estava internado no Hospital do Andaraí, derrubado por um cálculo renal miserável. Claro que não vi o jogo. Claro que nem vi a transmissão ao vivo e a cores, a primeira no Brasil.

Claro que senti a falta do velho João. Afinal, ele foi derrubado da comissão técnica, depois de 13 jogos sem derrotas porque não agradou ao presidente do Brasil. O general Médici, no alto do poder, insinuou convocação do Dadá Maravilha e João não deu bola. "O presidente não me chamou para opinar sobre a escalação dos seus ministros. Então, por que eu vou ter ouvi-lo sobre meu time ?". Foi a gota d'água para a derrubada do João Sem Medo.

O VT do jogo tá rolando agorinha na televisão e a velha história tá rolando na minha mente. Eu acho que já escutei esse enredo nos últimos dias. Mas, agora, tô selecionando outros jogos das Feras para assistir mais tarde, longe dos noticiários da peste que assola nossa vida em nosso mundo. Tô no Brasil de 1970, com uma TV de 21 polegadas na sala e um Fusquinha na garagem.

 

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