Por O Dia
Nem deu tempo de digerir o Decreto dos Puxadinhos — aquele que pretende tapar o Buraco do Lume, mas não vai mexer nos buracos das ruas — e já entramos na Era dos Cercadinhos. Mas quem pensa que nosso burgomestre Marcelo Crivella inventou este último, tá muito enganado. A prova tá lá. É só ir até ao Museu da Limpeza Urbana, na Praia do Caju, 385. Ou Casa de Banhos de D. João VI.
Dom João VI, que não era chegado a um banho, muito menos de mar, foi praticamente o precursor do 'cercadinho' das praias cariocas. Em 1810, o monarca, por imposição médica, quase foi arrastado para a Praia do Caju. Lá, em um 'quiosque' fechado, banhava as pernas — estava com um ferimento infeccionado, causado por carrapato — em uma espécie de barril, com fundo, mas com furo lateral que possibilitava a entrada da água no camburão.
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A blindagem era para afastar possíveis ataques de siris, coisa que D. João tinha pavor... O banho de mar já estava em uns poucos países da Europa (França e Inglaterra), ali no Canal da Mancha, e era considerado medicinal. Meio complicado porque era comum cenas com pessoas, munidas de latões ou penicos, caminharem até as praias e despejarem dejetos humanos nas marolas. Não parece os dias de hoje? Mas, no caso do nosso Rei, estava inaugurado o cercadinho, tão badalado hoje em dia por essas bandas. Copacabana, meus caros, não fora ainda 'inventada'.

O tempo passou e chegamos em 1900. As praias do Centro — local mais habitado — eram sujas, com os tais dejetos, cadáveres de animais e lixo caseiro. Ninguém dava bola para pegar sol naquelas areias. Nada agradável para a população que não tinha costume de banho com "águas de cadáveres". Assim mesmo, senhoras revolucionárias para a época, se atreviam a molhar os pés nas madrugadas. Ou protegidas por 'casinhas' de madeira. E com roupas do pescoço aos pés. Mas, apareciam moleques que faziam buracos nas 'paredes'. Então, inventaram multas para tais crimes e até prisão. Começou o interesse, pequeno, nos banhos públicos.
Então, em 1906, com a abertura do Túnel Novo, pelo prefeito Amaro Cavalcanti, o cenário da Zona Sul começou a aparecer. Poucos anos depois, foram estabelecidos horários para os banhos. Os desobedientes pagavam multas e podiam pegar cinco dias de cadeia. Vamos aos horários: de abril até novembro, permitido de 6h às 9h. Na parte da tarde, de 16h até 19h. No verão, a permissão era de 5h às 8h e de 17h às 19h, e o povo continuou comportado.
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Mas logo apareceram as regatas. Ah, quem foi à inauguração do Copacabana Palace, em 1923? Eu não. Sou de 1943. Depois, os maiôs foram encurtando. O biquíni só foi lançado em 1947. Causou furor, revolta e vivas. Quinze anos depois, homessa, Jânio Quadros o proibiu! Muito imoral, para ele.

Agora, a pandemia tá bagunçando o banho de mar. O prefeito do Rio proibiu, atendendo a indicações sanitárias, o banho de mar e a presença de banhistas nas areias das praias. Com a 'abertura', foi preciso apelar para os 'cercadinhos'. Será que vai colar? Eu, como futurista que sou, penso logo no Réveillon. E antes do final do ano? Como ficarão os naturistas da Praia do Abricó? Lá, o distanciamento já era recomendável — antes da praga da covid. Agora nem me atrevo a perguntar.
E, de 'cercadinho' em 'cercadinho', lembrei de outro, do anos 1960, quando o governador era Carlos Lacerda. Foi inaugurado um presídio, o Evaristo de Moraes, vulgo Galpão da Quinta da Boa Vista. Lá, os homossexuais ficavam isolados em um quadrado no meio do pátio interno. Cercado de arame farpado — para evitar que presos invadissem a área e, ainda, que os que estavam no quadrado, saíssem. O nome do local? Cercado das Bichas. Podem comprovar em várias edições do jornal Ultima Hora, da época. Ou seja: tem cercadinho há muito tempo.