Por O Dia

Sem quase o que fazer nessa clausura imposta pela Ciência, jamais por certos governantes, fico procurando algo quase útil para empregar no tempo quase inútil. Desta feita, quase longe dos vizinhos, resolvi pintar a Rosa dos Ventos no quintal.

Improvisando um compasso gigante, munido de tintas e pincel, parti feroz para a área do pomar. Medi os ângulos, largura, comprimento, melhor localização e iniciei a 'obra'. Amanhecia, a temperatura beirava os 17ºC e não havia ameaça de chuva. Ah, desliguei o celular, o telefone sem fio, e mantive o computador trancado na escrivaninha. Isolamento digno de um infectologista nos dias de hoje.

Avental, luvas, boné, o tênis desbotado e máscara profissional são itens de um artista moderno. Fred, o amigo-vizinho-suíço, me forneceu os moldes, com medidas e ângulos certinhos, com dicas, recomendações e cuidados a serem seguidos. Tipo o passo a passo.

Esse Fred é danado nessas coisas. Ele é quase um inventor nas horas inúteis, mas merecida, da sua aposentadoria como velho lobo do mar.

Cá entre nós: foi Fred que me alertou sobre o Relógio de Sol que montei, em junho passado, no quintal: "o coisa ter que ficar no sol!", vociferou, dedo em riste, com seu sotaque quase português. Formidáveis e muito úteis os avisos dele. Vocês precisam conhecer os inventos que ele faz.

A última criação foi a churrasqueira solar, sem carvão, e que funciona mesmo a noite. A penúltima? Máquina de descascar ovos cozidos... Porreta.

Interrompo aqui a narrativa sobre a Rosa dos Ventos porque, amigas e amigos, não posso deixar de contar para vocês o que ocorreu. Logo após a construção do Relógio de Sol, a notícia se espalhou na vizinhança.

"Luar tem relógio no quintal. Deve ser coisa de maluco, ou de velho"... Acreditem, teve gente que, quando me via no quintal, chegava a perguntar as horas! Eu, de picardia, respondi por várias vezes.

Quando não havia a luz solar, que voltasse quando o astro-rei desse as caras. Cheguei ao ponto de dizer que o relógio estava na Nasa, em reparos. Tenho certeza de que o vizinho de bombordo acreditou. O de boreste ficou na dúvida. E, eu? Me divirto, homessa. Relógio é ligado ao tempo. Então, vamos passar o tempo, inútil ou útil.

Voltamos à Rosa - Rosa, para os íntimos - que está surgindo no quintal (tenho outras, do tipo Bel Ange, da família Rosaceae, que ganhei do vizinho do Sudoeste, de um rosa-choque incrível), iniciada bem cedinho. Com os moldes, foi rápido desenhar e pintar a coisa. Quase depois do final do serviço, somente faltavam poucos retoques, dei uma parada e fui devorar o almoço. Trabalhos manuais me dão muito apetite.

Encarei o prato feito, bebi o refresco de maracujá, quase esqueci dos medicamentos e, confesso que cochilei. Ninguém é de ferro.

Acordei com o Fred tocando o sino do portão da garagem. O cara veio fiscalizar o meu trabalho! E foi entrando e reclamando que o trabalho não estava pronto. Ih, mas reclamou muito, enrolando palavras em vários idiomas. Quase entendi o final. Ele, mais vermelho que os tomates-cerejas do canteiro do lado direito do pomar, apontava para a 'obra' com cara feia, e reclamava ainda mais.

Ainda sonolento, custei a entender o, para ele, desastre. Bandos de maritacas e de sanhaços haviam descoberto as nêsperas, na copa da árvore que sombreia a Rosa dos Ventos. A 'obra' foi atingida por centenas de 'balas perdidas', lançadas pelas aves sobre a tinta fresca. Estrumaram a rosa errada...

Mas, aguardem. Já combinados o próximo 'faça você mesmo': uma torre, tipo minarete, para espionar vizinhos que soltam balões.

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