Por O Dia

Época difícil essa que nós, habitantes desse planeta doente, poluído, cheio de vírus, pragas de gafanhotos, políticos e empresários corruptos que roubam a grana da Saúde, tentamos sobreviver. Não vamos lembrar a fome e as filas nos hospitais e da Caixa Econômica para conseguir um dinheirinho honesto. Em meio à tanta desgraça, o carro do ovo 'tava' passando e me chamou a atenção na manhã fria aqui no quintal da minha caverna no Principado da Água Santa.

O empresário da Kombi vermelha inovou. Espertinho esse cara. Para driblar a crise, expandiu os negócios. O som do pequeno alto-falante, instalado no alto do veículo, berrava — 9h da matina — a novidade para as donas de casa: os novos produtos, fresquinhos, "aqui, comodidade e preços baixos. Filé mignon, camarão e carne seca, tudo em pacotes higiênicos de um quilo". Vocês se interessaram? Então, anotem os preços módicos e atraentes: filé — R$ 28; camarão — R$ 18; jabá — R$ 15. Claro, e os ovos, a bandeja com 30 por apenas R$ 10. Mas tem mercado vendendo por R$ 8. Mais novidades, amigas e amigos: ele aceita cartões de crédito e débito. "Facilito em três vezes!!!". Tá na cara que tem maracutaia...

Estava limpando os 500 gramas de sardinhas para o almoço de domingo. Trato de peixes nos fundos da caverna, em tanque dos grandes. O som estridente fez com que largasse tudo, corri os 80 metros até o quarto de hóspedes. É lá que escondo o cofre das moedas da segunda quinzena do mês. Quase esqueci o segredo. A pressa é inimiga da perfeição. Perdi segundos preciosos contando as patacas. E o som das ofertas parecia ficar mais distante. Bem, consegui as moedas, corri para o quintal e, cadê a kombi? O cara havia seguido em frente. Fiquei meio frustrado segurando as moedas sujas de escamas.

Bolas, mas pensei que poderia ter algo errado. Seria fake news para atrair a freguesia? Golpe publicitário? Fiquei desconfiado e minha mente foi, coisas do subconsciente, até as rachadinhas, que tanto escrevem e falam hoje em dia por aí. Os preços anunciados estavam abaixo os do mercado.

Por sorte, ou por azar, voltei para as sardinhas sem as promoções do dia. Antes, guardei o dinheirinho no cofre e limpei os vestígios do peixe. Não se pode deixar rastros. Tem muito gato no país, ih, quer dizer, nas redondezas. O único jeito é esperar as outras kombis. Promoção é que não falta. Afinal, o cofre não está tão fornido como eu gostaria. Aguardarei os empresários-móveis. Tem os da pamonha, do ferro-velho, dos legumes e frutas, amolador de facas, tesouras e navalhas — ele também conserta panelas velhas e furadas e faz chaves na hora —, o dos doces e salgados, os barbeiros, manicures.

Os que vêm a pé são os vendedores de vassouras, os dos temperos também, os que oferecem redes, panos de pratos e os dos sorvetes. Ah, o padeiro, que passa duas vezes ao dia (de manhã e ao entardecer), usa a motocicleta e, quando está sem dinheiro da gasolina, vem de bicicleta mesmo. Nesse caso, o da dureza, tem promoção de pães e sonhos. Não estou incluindo o vizinho do Sul, que vende prato feito em quentinha. Tem de R$ 10 e de R$ 15. Depende do tamanho. Formidável, né?

Amanhã, dia de varrer o quintal, estarei bem mais perto da rua. Vou ficar em alerta máximo para não perder nenhuma promoção tentadora. No fundo, bem lá no fundo mesmo, minha esperança é que apareça alguém vendendo chocolates. Em promoção, evidente, com preço bem abaixo dos praticados nas lojas chiques. O vizinho de bombordo, nesses dias passados, falou qualquer coisa sobre a marca do produto que ele diz que ouviu de vendedor ambulante aqui na área, quando passou na kombi preta: Chocolates Buda Peste. Ah, esses caraminguás do cofre não vão ficar muito tempo guardados. Melhor esperar a kombi do chocolate.

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