Por O Dia
Foi assim. A caminho de Angra dos Reis, pilotando um bólido jipe Gurgel X 12, conversível, modelo de 1980, comprado em uma revenda na Ilha do Governador, fui surpreendido com um estrondo no motor. Eram 5 horas da matina de um sábado quente, ensolarado, e eu iniciando período de férias.
A bordo, além da inevitável companhia da rádio-patroa , estava a carga de roupas de uso pessoal e de cama, medicamentos e a de sobrevivência para quase um mês de vadiagem familiar, composto do farnel de arroz, feijão, açúcar, azeite, condimentos em geral e o importantíssimo item de primeiros socorros: latas e mais latas com cerveja, litros e mais litros com água mineral, álcool (para o churrasco variado de frutos do mar e de carne de boi), carvão e um fogão rústico a lenha. Ah, e um aparelho de tv.
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Corria o ano da graça de 1996, em abril. E eu estava tremendo de medo de ser abordado por ladrões. Logo após o enguiço mecânico. Bem, mas, ficaremos focado no problema do estouro do motor do jipinho.

O problema mecânico aconteceu na Avenida Brasil, altura de Santa Cruz, quase em frente ao Cesarão. Já ouviram falar nesse conjunto habitacional ? Habitado por famílias mas dominado por bandidos ferozes, tem fama de perigoso até nos dias de hoje.
Sinistro o local. Bem, consegui parar o veículo no acostamento, desembarquei, abri o cofre do motor e cocei a cabeça. Triste constatação. O motor explodiu. Cem metros, um cidadão tirava mercadoria deu um velho Opala e abastecia a barraca "coma, beba, e siga viagem" que explorava na beira da estrada. Caminhei até ele, me servi de um bolinho com amostras de bacalhau, e um cafezinho, e iniciei uma conversa.. Contei o problema do motor e pedi ajuda.
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Cosme, nome desse empresário de estrada, me deu a ideia que faltava. Ele teria que comprar gelo em um comércio na esquina da Avenida Brasil com a Rodovia Rio-Santos. Minha mulher ficara no estabelecimento dele e eu o acompanharia, no Opala, até ao geleiro e explicou: "Lá tem supermercado e fica cheio de gente com fusquinhas fazendo entregas. Quem sabe um desses entregadores não socorre o senhor?"
Difícil foi convencer a patroa a ficar na barraca, sozinha. Nada como uma boa conversa...

Rezando para não ter a "pequena" carga do jipe roubada, parti com o Cosme em busca de socorro. O pequeno comerciante me apresentou a dois donos de Fuscas e foi cuidar da vida e do gelo. Expliquei o meu drama e logo chamaram um terceiro entregador. Esse topou tentar me socorrer. Voltamos à barraca e dono do Volks deu olhada profunda no motor: "Só trocando o motor, meu chefe... "Mas, como?"  "O senhor compra meu fusca e eu troco o motor. Eita, solução draconiana.
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O Fusca estava caindo aos pedaços, amarrado de arame e fios. Parecia o carro dos Flintstones. Mas, funcionava e o som do motor não parecia suspeito. Topei no ato. Com a condição dele trocar o motor naquele momento. Ele saiu e, meia hora depois, chegou carregando duas bolsas de ferramentas e um pequeno macaco. Encostou traseira com traseira e, em menos de duas horas, o jipe estava funcionando.
O entregador ficou com o Fusca, de presente, e o motor escangalhado do meu jipe. E fui para Angra, satisfeito da vida, usando o motor do fusquinha. O custo ? Hoje sairia por uns R$ 300. Durante muitos anos, sempre que passava pela barraca do Cosme, indo para Angra, parava para um cafezinho. Ele se tornou o meu mais recente amigo de infância. Acostumei até a parar na volta ao Rio. Era o famoso pit stop.
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Mas, uma tarde, oito anos depois, a mulher dele, a Zilda, me telefonou e deu a triste notícia. Cosme morreu baleado, durante um assalto na barraca. Triste fim para uma amizade que começou com uma tremenda ajuda dele. Lembrei dele ontem, indo para Mangaratiba. Mas, caro amigo, fique em paz, e ajuda, mais uma vez, aqui o cara que ainda luta na vida. Ah, a barraca sumiu.