Por Luarlindo Ernesto
Diante de tanto calor, diante de tanta pandemia, diante de tanta geosmina, diante de tanta desobediência pública-sanitária, eu, o Fred e o Ibiapina resolvemos, depois de longo encontro regado a cervejas - respeitando a distância dos corpos e não dos copos - que deveríamos apelar para um costume dos índios: a dança da chuva.
O Fred, suíço porreta, que trocou os Alpes pela Serra dos Pretos Forros, aqui na Água Santa, já usa um sistema que refresca, e irriga, o jardim que tem entre a casa e o galpão usado como local de encontros com amigos, nos fundos da propriedade. Ele instalou chuveirinhos acima das árvores que tem no quintal. É só ligar a chave e, pronto, começa a chover naquela área. E, o ambiente fica com temperatura amena, confortável e aconchegante. Nada que nos tire a sede do malte, lúpulo e cevada, é claro. Viramos os unidos úmidos.
Publicidade
Logo se apresentou o mais recente amigo de infância, o Nélson, também chegando a quase mesma faixa etária e, também apreciador da bebida inventada pelos egípcios - a cerveja foi encontrada em várias tumbas de faraós no Vale dos Reis, naquela parte desértica do Egito. Nélson ficou abismado com a decisão de apelar para a dança da chuva.
Mas, malandro da antiga, não reclamou e logo apoiou a ideia. "Se é para dançar e chover, contem comigo !" aderiu, com seu largo e particular sorriso, por trás da frase. Mais um brinde e selamos o trato.
Publicidade
Bem, o encontro aconteceu na tarde de sábado, dia 30 de Janeiro. Marcamos, então, que cumpriríamos a agenda para a cerimônia no entardecer do dia 4 deste mês, com chuva ou com sol ! Depois da oitava "saideira", nos despedimos e cada uma voltou para sua oca, ou melhor, casa (no meu caso, caverna).
Ah, Fred prometeu confeccionar máscaras cirúrgicas, para manter a segurança física, munidas de canudinhos para usarmos no encontro. Esse Fred é porreta.
Publicidade
Bem, amigos, como de costume, preciso escrever essas mal traçadas linhas com antecedência. Até porque, não tenho muita certeza do que poderia acontecer durante e depois da Dança da Chuva. Mas, de uma coisa eu tenho certeza: o Nélson nada tem a ver com índios. Ele é um mulato de cabelo liso. O Ibiapina é loiro, de olhos claros, com os pés cravados no Nordeste. Fred é suíço. Eu, logo eu, branco azedo-mestiço que tem um pé no Tupi. Mas nada sei sobre costumes dos meus meio antepassados.
Essa tal de Dança da Chuva não deveria cair bem. Até a Hélia, mulher do Fred, que escutou, de longe, quando discutimos a pauta, achou que pouco tinha a ver: "Só a chuva que liga o assunto!", disse ela, com seu leve sotaque da Bahia. Vou deixar claro um detalhe e oportuno. O meu médico, o doutor Adolfo, permitiu que eu tomasse uns copos de cerveja. Uns copos (não indicou quantos e eu não perguntei).
Publicidade
Bem, sugeri, ao plenário, e fui aplaudido pelos confrades, que iríamos apelar para a "Súplica Cearense", uma música fenomenal do Gonzagão, que fala da seca e que, depois que fez aprece pedindo chuva, veio um aguaceiro que alagou todo o sertão. E tome mais uma saideira... Mas, uma ressalva do Nélson: "Ficou acertada entre todos, já que vamos apelar para a Súplica Cearense, pediremos apenas meia porção, da chuva...