Por Luarlindo Ernesto
As duas mulheres receberam a vacina no mesmo dia. Horários e postos diferentes. Elas moram no mesmo bairro, em ruas perpendiculares. Uma tingiu os cabelos de louro. A outra, de preto. Uma é casada e, a outra, divorciada. Regulam a mesma idade e, pelos comentários, são conservadas em plásticas, cremes, botox e outras coisas que não entendo bem.
São alvos prediletos dos vizinhos. A maioria dos comentários é que escondem o tempo de vida . Coisa feia ! Nas poucas conversas que surgiram com elas, servi como ombro amigo, ou muro das lamentações. Elas se queixam dos comentários intrometidos que são vítimas. Então, procuro distância de todos e de todas. Só mesmo o bom dia, boa tarde, boa noite. E, saio de casa para as consultas médicas ou as escapadas para a casa do Fred. Eu, o Nélson e o Ibiapina. Na Academia Brasileira de Letras tem o chá mensal. Na casa do Fred tem a cerveja semanal. Pronto, falei.
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Mas, voltando às senhoras que receberam os imunizantes, descobri que foi montado um plano diabólico de espionagem, de rastreamento. Inacreditável. Quem me contou foi o morador de bombordo, o mais fofoqueiro da região. Ele mandou um zap. Tenho meios de ler as mensagens sem que ele saiba que as li.

Como as senhoras-alvos insistem em congelar o tempo de vida - dizem que elas regridem as idades - alguns vizinhos, sempre pelo zap, se informam sobre os movimentos de Zilda, a loura, e Ofélia, cabelos presos. Fundaram o SIV, o Serviço de Informações de Vigilância. Omessa: "Ô Luar, quer entrar para o grupo ?",  perguntou o morador de estibordo. Desconversei e respondi que andava ocupado, catalogando joaninhas e vagalumes no quintal, explicando que era um trabalho encomendado pela Universidade da Groenlândia, portanto, estava me dedicando, dia e noite, ao trabalho.
Pô, passei longos anos sob censura. Sei muito bem o que é isso. Desconjuro. E liguei um fato a outro: dias passados, quando tirava o carro da garagem, escutei mensagem de zap de um morador aqui de perto. Só deu para ouvir o ... alvo louro saindo do Uber ... Mas, não dei importância. Hoje em dia, confirmei que era o plano em ação. Isso deve ser crime. O Palimércio, velho companheiro que mora no Méier, já havia avisado sobre esse grupo. Achei, na ocasião, que era coisa sem importância.

Voltando à sexta-feira, dia 5, a coisa ferveu. O Adilsinho, logo pela manhã, telefonou para avisar que os "vigilantes" estavam em estado de alerta máximo. Morri de rir. Parei de varrer o quintal e fui até o portão. Ruas vazias, quase silêncio. Os zap de voz feriam o ar com mensagens cifradas. Resolvi acabar com a tarefa de recolher as folhas das árvores e me recolhi na clausura da caverna.
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Mais tarde iria saber o buchicho. E não deu outra. A loura saiu para receber a vacina na parte da manhã. Pelo que soube, foi até ao drive-thru do Engenhão. A morena, foi mais tarde, no Posto de Saúde do Engenho de Dentro. Todas foram seguidas. Antes das 14 horas, um número rodou pelo bairro: 78.
Até o corretor zoológico, o cara que escreve um jogo proibido e que tem pontos de apostas em cada esquina, se assustou com as apostas no 78. É, as filas da vacinação revelam as idades. Mais verídicas do que declarações do Imposto de Renda. Por favor, me poupem de indução à jogatina. Sou cidadão que respeita as leis e decretos, incluindo as sanitárias vigentes na pandemia. Para as amigas e amigos que insistem em burlar a Lei das Contravenções Penais, o 78 é o número daquela ave, muita consumida nas festas natalinas, o Peru.