Henrique Silveira, geógrafo e coordenador da Casa FluminenseDivulgação

Geógrafo e coordenador da Casa Fluminense, organização que discute políticas públicas para reduzir a desigualdade na Região Metropolitana, Henrique Silveira fala sobre o saneamento básico no Rio, o acesso e abastecimento de água e o papel do poder público para garantir acesso a esse direito. Na entrevista a O DIA, Silveira destaca a descontinuidade de políticas públicas, como o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara como um dos principais problemas dos governos. "O investimento em saneamento é estrutural, de médio a longo prazo, e precisa de muito planejamento, além de ser continuado pela gestão posterior, já que ultrapassa o mandato", diz.
O DIA: Acabamos de comemorar o Dia Mundial da Água. Como é o acesso dos fluminenses a esse bem? 
HENRIQUE: É preciso pensar em maneiras para mais pessoas terem acesso à água tratada, e uma forma é facilitar a obtenção da tarifa social. Defendemos que o benefício esteja atrelado ao Cadastro Único, porta de entrada dos mais pobres a programas de combate à pobreza, como o Bolsa Família. Atualmente, é preciso se cadastrar nas concessionárias, por isso, muitas pessoas não têm acesso. Se houvesse integração, poderíamos alcançar 1,8 milhão de famílias.
Qual é o tamanho do desafio na área de saneamento no Rio? 
Segundo o índice de Saneamento de 2018, na Região Metropolitana, 91% da população seria atendida pela rede de água — só que, às vezes, isso significa que o cano existe, mas a água não chega às casas. Temos um problema de consistência dos dados oficiais: o poder público deveria ter sua fonte de dados amarrada, mas há discrepâncias de ano a ano. O povo não se reconhece ao ver esses números altos, pois enfrenta problemas diários. 
Por que há tanta carência na área de saneamento básico?
O investimento em saneamento é estrutural, de médio a longo prazo, e precisa de muito planejamento, além de ser continuado pela gestão posterior, já que ultrapassa o mandato de um governo. No Brasil, temos um problema de descontinuidade. Um exemplo é o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, que recebeu recursos na década de 1990 — sem continuidade. Foram construídas estações de tratamento de esgoto, como a do Caju, mas, não há conexão com a Maré, pois não foram feitos os troncos para ligar as duas partes. Essa estação só trabalha com 20% da capacidade, quando poderia chegar a 50%.
Diz-se que o sistema de abastecimento de água do Rio é vulnerável, por se concentrar no Rio Paraíba do Sul. O senhor concorda? 
Há risco de crise hídrica, e, para contê-lo, há várias medidas possíveis. Precisamos investir em maior eficiência, para não termos tanta perda de água. A cultura da reutilização da água precisa ser ampliada. Além disso, há um cinturão verde em torno da Região Metropolitana, que precisa de política de mata ciliar, para evitar o despejo de esgoto. Outra possibilidade é criar pequenos reservatórios para descentralizar o sistema.
O leilão de concessão da Cedae está prestes a completar um ano. Como o senhor vê a questão de parcerias com o capital privado? 
Está cedo para uma avaliação precisa dos impactos da concessão, mas eu diria que é fundamental que o poder público se organize para fiscalizar e cumprir as metas. Não se pode entregar o contrato à iniciativa privada e lavar as mãos. A Câmara Metropolitana tem um papel de constituir um painel de controle deste contrato, cobrando as empresas em caso de descumprimento. 
O que o modo como o ser humano lida com os rios tem a ver com as tragédias recentes na Serra e no Norte do estado? 
O Brasil nunca teve uma política consistente de moradia popular. A população mais pobre sempre teve que se virar sem o poder público, então, passaram a ocupar zonas inseguras, como encostas e beira de rios. Precisamos ter em mente a perspectiva de justiça climática, para que as pessoas não morem mais em áreas de risco, e tenham segurança geotécnica, além de políticas de adaptação e resiliência urbana. É preciso investir em contenção de encostas, treinamento da população para lidar com situações extremas. Não dá para simplesmente remover um bairro inteiro.