Colunista Rafael Nogueirareprodução

Quando, em 2013, uma multidão acordou e viu que a política se reduzia à disputa entre a esquerda da esquerda e a direita da esquerda, um espaço que sequer parecia aberto passou a canalizar as vozes da silenciosa maioria que chegou ao poder pelo pleito de 2018. O problema é que poucos meios de comunicação quiseram investigar a fundo o que verdadeiramente pensava essa direita. Supriam o vácuo algumas caricaturas que a faziam parecer, aos olhos da classe letrada, não mais do que um bando de bárbaros. E tudo isso era encarado com a maior naturalidade.
Quem tentava explicar o Brasil não tinha participado do processo, não o tinha entendido muito bem, e optava por não perguntar aos que poderiam responder com um testemunho de dentro. Olhar de fora é importante quando se tem elementos suficientes para basear um pensamento justo e prudente. Fossem só novidades políticas duma longínqua ilha de Java, ok, mas essa postura não faz sentido quando lusofalantes querem entender brasileiros.
À esquerda das utopias – como o fim das classes sociais, promoção identitária e abortista – o povo tem preferido o pragmatismo do centro e a modéstia da direita, que fala em ordem, combate ao crime, respeito às igrejas, defesa da família, enxugamento do Estado, suporte aos necessitados. E já ficou claro que os meios de que os mais revolucionários se valem muitas vezes levam à coação de direitos e à violência, sem trazer o que prometem.
Fenômeno complexo, a atual direita liderada por Bolsonaro não tem uma unidade ideológica, só eleitoral. Há lavajatistas, reacionários, tradicionalistas, antipetistas, armamentistas, liberais etc., só não vejo fascistas. Sou conservador: acredito que o cético faz mais bem à política que o idealista, que experiências valem mais do que fórmulas, que o estudo engrandece os povos, que o coração do Brasil é católico, que criminosos têm de ser punidos e que ser patriota no século XXI faz sentido.
Até pouco tempo, era constrangedor falar do Brasil não fosse para maldizê-lo. Hoje já é um pouco diferente, e muitos se sentem menos culpados de amá-lo, mesmo com tanta má vontade se estendendo à história, aos costumes, aos símbolos, e às vezes até à seleção de futebol.
Lideramos o esporte mais famoso do mundo graças à criatividade ousada e alegre, trabalhada pela disciplina, imposta pelos desafios dos campeonatos. Despontam talentos advindos de todas as classes sociais, cores, credos e raças. Essa paixão bem que poderia se estender à literatura, à história, às bibliotecas, às ciências. É
também um Brasil possível. Com José Bonifácio, sinto que este país pode vir a ser o novo assento das ciências, das letras e das artes.
Esses sentimentos, ideias e razões estavam sub-representados até o advento da nova direita. Cabe agora a ela amadurecer até se tornar uma força permanente da democracia brasileira. E não importa que ela se divida em partidos e candidaturas concorrentes. À saúde democrática basta que ela exista.
É sobre tudo isso que quero falar aqui.
Rafael Nogueira