Fabrício Carpinejar desfaz estigmas sobre luto em seu 51º livro, ’Manual do Luto’Diego Lopes

Rio - O poeta brasileiro Fabrício Carpinejar tem derrubado estigmas a respeito do luto com seu novo livro, "O Manual do Luto", publicado em setembro deste ano. Na obra, o autor, que já foi duas vezes vencedor do Prêmio Jabuti, afirma que o luto "não se supera" e, por isso, é necessário que se debata amplamente sobre o tema. Em conversa com o DIA, o escritor fala sobre os desafios enfrentados pelo enlutado e reflete acerca da convivência com a perda durante as festas de fim de ano.
Em três meses, o "Manual do Luto" se tornou um dos livros mais vendidos do Brasil no que tange a temática "morte" nas livrarias virtuais. Ao celebrar o sucesso de sua 51ª obra, Carpinejar ratifica que seu principal objetivo foi combater os preconceitos que envolvem o luto.
"O enlutado não é visto, é posto de lado, como se ele pudesse sofrer apenas durante o período do velório, da missa de sétimo dia. Ele não tem espaço para sofrer, castigado pelo constrangimento, não pode nem mencionar o nome do ente querido porque parece que não se recuperou do baque do sofrimento", observa o poeta.
"No entanto, ninguém se recupera do luto. O luto não é uma doença, é uma condição da sensibilidade. Você jamais vai enxergar a rotina do mesmo jeito, porque você estará transbordando de saudade. Com o luto, se aprende a amar a partir da saudade", esclarece o escritor.
Na tentativa de acolher o enlutado, Carpinejar coloca em prática uma escrita sensível e empática. De acordo com o escritor, para auxiliar no bem-estar desses leitores é necessário mostrar uma forma de ressignificar o impacto causado pelas perdas.

"Como você pode ajudar quem está enlutado? Estando perto, sem exigir efeitos especiais. O grande trauma de quem passa por uma perda é a falta de aceitação. O enlutado não é reconhecido, é como se ele tivesse sempre que voltar na normalidade, seguir adiante, sem olhar para o passado. Ele é invadido por uma amnésia. Não pode falar da morte, logo não pode falar do morto, então não se pode lembrar de quem foi importante e decisivo na sua vida", comenta.

"Esquecemos que o luto é a preservação da memória. O luto é fundamental para que uma pessoa não seja esquecida, para que seu legado permaneça entre nós. Sem o luto não há sentido nenhum na vida. Você vive para ser lembrado e ser uma peça fundamental da memória de alguém", reflete ainda o escritor.
Mesmo acreditando que a ausência do ente querido deve ser sentida sem cobranças pelo esquecimento, Carpinejar admite que as festas de fim de ano podem ser bastante difíceis para os enlutados, por tratar-se de um período em que a lembrança das perdas torna-se ainda mais presente.

"Sem sombra de dúvidas, diria que o Natal e Ano Novo são períodos torturantes para quem sofreu com uma ausência, pois há um julgamento da vida na virada. Você pensa naquilo que realizou e o que deixou de fazer. Nesse tempo, sentimos falta daquela pessoa que você não poderá entregar um presente, que não poderá participar da ceia e fazer a contagem junto", detalha.

"A diferença é que o enlutado faz esse balanço sempre. Ele não tem mais um relógio, não vive mais com o tempo físico. Ele tem um cronômetro. Quando morre alguém que você ama, você passa a perceber a sua finitude: quanto tempo falta? É como se houvesse uma inversão da vida, ela não vai mais para frente, corre para trás", diz o autor, reflexivo.
Para aqueles que ainda não leram o "Manual do Luto", o autor garante que o livro lhes apresentará um novo caminho para conviver com esta condição comum entre os indivíduos, e afirma que, apesar de árduo, é, sobretudo, uma maneira verdadeiramente fraterna de enxergar a vida.
"Não uso meias palavras, uso palavras inteiras naquilo que acredito ser a sinceridade afetuosa. Tomei essa decisão na minha trajetória de escritor. Não há atalhos para a verdade. A verdade é um caminho longo. Não posso mentir para ter algum benefício. Os benefícios da mentira são provisórios. Poderia dizer que no luto, com o tempo, a dor vai doer menos, mas não é verdade. O luto é como ondas, um vai e vem. Terá picos de ansiedade, de aflição, mas não vai existir uma fixação de ciclo. O luto é uma oscilação, não uma travessia linear. O luto acontece sempre, como se estivesse recebendo a notícia do falecimento a todo momento. Isso não muda. Terá dias calmos e outros agitados. E não saberá quando acordar e muito menos se vai conseguir dormir", ratifica o escritor, que aproveita para listar os benefícios trazidos por sua abordagem.

"Falar de luto é saúde pública. Não falei de perdas minhas, falei de todas as perdas do mundo. A dor de perder um filho, um irmão, pai, mãe, amigo, animal de estimação… O quanto que nós não podemos fugir da dor, porque se fugimos, iremos sofrer ainda mais. Ficamos deprimidos, sofremos em silêncio, sem poder pedir ajuda. Quanto mais claridade para o assunto, menos asfixiante será [...] É necessário acomodar esse sentimento para doer menos. Isso não significa que não irá ser feliz depois, será de outro jeito. Será feliz com saudade, nostalgia, recordando o quanto o seu afeto também estaria feliz se estivesse vivo. Toda a felicidade passa a ser recordação de uma presença", conclui Fabrício Carpinejar.
Reportagem da estagiária Esther Almeida sob supervisão de Isabelle Rosa
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