Alegoria foi inspirada em Carnaval de 1969 do Salgueiro - Alexandre Brum / Agencia O Dia
Alegoria foi inspirada em Carnaval de 1969 do SalgueiroAlexandre Brum / Agencia O Dia
Por *Luana Dandara

O Salgueiro vai levar a justiça de Xangô ao pé da letra neste Carnaval. A escola fechará seu desfile com críticas à corrupção e à lavagem de dinheiro. A Velha Guarda representará os ministros do Supremo Tribunal Federal, com direito à clássica toga, enquanto os compositores serão advogados e promotores. O poderoso orixá será retratado na última alegoria, como o grande juiz. A Vermelha e Branca, que passou por um complicado processo político no ano passado, resultado na saída de Regina Celi e na posse do presidente André Vaz, espera superar a crise interna para fazer jus à homenagem ao seu padroeiro.

Segundo o carnavalesco Alex de Souza, de 48 anos, a ideia do setor é baseada no ditado popular "Quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão, e quem muito rouba e esconde passa de barão a visconde". "Desde o Brasil colonial os problemas são os mesmos, a corrupção é histórica e estrutural. Então eu recrio os fatos e deixo em última instância que Xangô sentencie", afirmou ele. Uma das fantasias é composta só por notas de dinheiro falsas. Bandidos e policiais também vestirão os componentes da agremiação.

Para o profissional, é uma grande responsabilidade conduzir um enredo tão desejado pela comunidade salgueirense. "Tinha guardado como uma carta na manga, no caso de um enredo sem patrocínio, porque só teremos o patrocínio do próprio nos ajudando a ter sucesso", brincou. A intenção é mostrar toda a construção de Xangô, as histórias que revelariam a existência física dele como um rei africano, e depois o mito que surge".

A semana foi de retoques em alegorias para brilhar na Avenida - Alexandre Brum / Agencia O Dia
Enquanto a segunda parte do desfile trará uma alegoria de um imenso cágado, animal ligado ao 'Deus dos raios e trovões', e o característico machado, o terceiro levará santos católicos. "Os escravos precisavam fazer o sincretismo religioso para cultuar seus orixás, então passaram a comemorar São Jerônimo, São Pedro, São Judas Tadeu, entre outros", pontuou o carnavalesco. Um dos ícones da escola tijucana, professor Júlio Machado, será homenageado por meio de uma alegoria que recriará o Carnaval de 1969, sobre a Bahia, quando ele se vestiu pela primeira vez de Xangô. "Ele desfilou até seu último ano, em 2007, como Xangô, e passou a ser o Xangô do Salgueiro", disse Alex.

O carro será todo espelhado e prateado, com uma grande Iemanjá segurando seu espelho. "São elementos que lembram a alegoria, pois na época as câmeras não tinham tecnologia para captar os espelhos, que refletiam o sol. É uma homenagem, está longe de querer copiar", explicou o carnavalesco, que também se inspirou nas fantasias do marcante desfile.

CRISE POLÍTICA GEROU ATRASOS

Questionado da mudança de presidente em meio a produção do Carnaval, Alex admitiu que impactou em atrasos no barracão. "O mês de janeiro foi para compensar muita coisa que ficou para trás. O André entrou e deu o incentivo necessário para que a gente pudesse apresentar o espetáculo. Mas no projeto não afetou. Eu tinha uma ideia e durante toda essa história eu fiz, desenhei, criei", ponderou ele. "Independente do presidente, o tempo é crucial, mesmo com dinheiro há coisas que você não recupera. Gerenciei para fazer o melhor possível".

"Não fiquei com medo de sair da escola, mas sim de lidar com pessoas que eu não conhecia. Entretanto, o André foi tão respeitoso, que foi uma boa surpresa pra mim", afirmou o carnavalesco, que se dedica à agremiação pelo segundo ano consecutivo. "Fui convidado a entrar no Salgueiro pela Regina, a ela agradeço a oportunidade de ter acreditado em mim. E hoje agradeço ao André Vaz por ter me mantido, e confiado em mim em tocar o projeto".

A estética do Salgueiro virá diversificada na Sapucaí. "Cada setor tem características extremamente diferentes, tanto de cor, materiais e formas. Mas elas conversam, são desfiles diferentes no mesmo desfile", pontuou Alex. "Foi um ano difícil, porém terminou com um suporte. Temos um samba muito bom, é uma escola que traz peso e força", finalizou ele.

Carnavalesco Alex de Souza admite responsabilidade em conduzir enredo desejado pela comunidade salgueirense - Alexandre Brum / Agencia O Dia

PARA MARCELLA E SIDCLEI, É O 'CARNAVAL DA VIDA'

O casal de mestre-sala e porta-bandeira Sidclei Santos, 43, e Marcella Alves, 25, já se sente vitorioso, mesmo antes de desfilar. De volta à escola do coração junto ao novo presidente, o par é só sorrisos e emoção. "Voltar a dançar na nossa quadra foi como se fosse a primeira vez, passou um filme na cabeça", contou Marcella, que foi dispensada em julho por Regina Celi, por conta de uma gravidez previamente avisada. Em solidariedade, Sidclei pediu demissão. "Achei injusta a forma que foi conduzida, e preferi me retirar", ponderou ele.

Hoje, com a pequena Maria Rita com três meses, Marcella se disse surpresa com a reação do mundo do samba. "Nós não fomos abraçados só pelos salgueirenses, e sim pelos sambistas, todo mundo se sensibilizou. Não imaginávamos que éramos tão queridos pelo público". A atitude do mestre-sala, entretanto, era esperada por ela. "Sabia desde o início que ele não ficaria ausente de uma decisão. Dançamos juntos há seis anos, conheço muito bem o caráter dele. Foi muito sofrido pra ele, porque deixou de viver o sonho no Carnaval para priorizar minha amizade", explicou a porta-estandarte.

Até dezembro, quando a nova mamãe deu à luz, a dupla ensaiou ininterruptamente, pensando em um futuro na Vermelha e Branca, e já tinha até coreografia montada para o enredo de Xangô. "A chapa opositora já tinha declarado várias vezes que se ganhasse contaria com nossos serviços. Então ficamos tranquilos, porque sabíamos que o André estava com a razão, e mais cedo ou mais tarde iria resolver. Só não imaginávamos que seria tão rápido", disse Marcella. "Tenho certeza que, como foi até aqui, a justiça de Xangô será feita e vamos fazer um trabalho brilhante e conseguir trazer a vitória para a escola. É o Carnaval das nossas vidas", triunfou.

*Estagiária sob supervisão de Angélica Fernandes

"Não imaginávamos que éramos tão queridos pelo público", diz a porta-bandeira Marcella Alves - Marcio Mercante / Agencia O Dia

Você pode gostar
Comentários