Nem mesmo a perda das duas pernas para o diabetes faz Vicentinho desanimar. A mais recente composição (ao lado) foi feita para a equipe médica - fotos Fabio Costa
Nem mesmo a perda das duas pernas para o diabetes faz Vicentinho desanimar. A mais recente composição (ao lado) foi feita para a equipe médicafotos Fabio Costa
Por Waleska Borges
Rio - Hoje, quando a Imperatriz Leopoldinense passar pelo Sambódromo, o coração Verde e Branco do compositor Vicente Venâncio, o Vicentinho, como é conhecido, vai bater mais forte. Afinal, ele é um dos autores do samba 'Liberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós', que se tornou uma obra-prima do Carnaval do Rio. Atualmente em uma cadeira de rodas, depois de perder as duas pernas, Vicentinho não sabe o que é tristeza e sonha com o título de campeã para a Rainha de Ramos.
Morador da Ilha do Governador, Vicentinho está com 63 anos e sofre de diabetes. Por conta de uma gangrena — morte do tecido do corpo devido à insuficiência de irrigação sanguínea —, ele perdeu uma perna em 2017. Ano passado, amputou a outra. Além disso, faz hemodiálise e tem problemas na visão.
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"Sou sambista, compositor e boêmio. E minha saúde ficou em segundo plano. O diabetes é herança do papai, que também amputou as pernas", conta o sambista, que não gosta de murmurar. Ao contrário, casado há 37 anos, Vicentinho tem um filho e duas netas. "Vejo a vida daqui para frente", completa.
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Frequentador da Imperatriz desde os cinco anos, Vicentinho fez de tudo um pouco na escola. Foi passista, ritmista, presidente de ala e compositor. Do passado, lembra com carinho da parceria com Niltinho Tristeza, Preto Jóia e Jurandir para o Carnaval de 1989. Nascia ali, o 'Liberdade, liberdade!', dedicado ao centenário da Proclamação da República. O samba foi o campeão naquele ano.
Feijão temperado
"Não levamos muitos dias para fazer o samba. Foi até fácil. A história tem um contexto e fomos fazendo o que era coerente", revela o compositor, lembrando que tudo acontecia regado a muita bebida e feijão temperado. "Nós não tínhamos muito espaço para divulgar o samba. Então, cantávamos por toda parte. Até em festa de aniversário".
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O compositor, que se aposentou trabalhando com manutenção de telefonia no Tribunal de Justiça do Rio, não vive do samba. Segundo ele, com os direitos autorais por 'Liberdade, liberdade!', recebe pouco. "Tenho que inteirar esse dinheiro com o da minha aposentadoria para comprar remédios", diz.
Mesmo com as limitações, Vicentinho não se afastou da Imperatriz. No último fim de semana, foi até a quadra e acabou caindo da cadeira de rodas. "O meu boné de couro de bode minimizou a pancada. O galo cantou", diz, entre risos.

Compositor faz samba para equipe de saúde pública

Os problemas de saúde de Vicentinho se agravaram em 2017, quando perdeu uma das pernas. Sem plano de saúde, passou a ser atendido pelo Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso (PADI) da Prefeitura do Rio. O projeto atende em casa a 1.005 pacientes, sendo 748 idosos.
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Segundo a coordenadora do PADI Ilha, Guilhermina Galvão, o serviço é prestado a doentes que precisam de cuidados contínuos. São pessoas com doenças crônicas, pacientes oriundos de internações prolongadas ou recorrentes, com dificuldade ou impossibilidade de locomoção.
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"Os principais benefícios são a redução do tempo médio de internação hospitalar e a aceleração da recuperação", explica a coordenadora. As equipes têm médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, fonoaudiólogos e psicólogos.
Para Vicentinho, os profissionais do PADI são "anjos da saúde". E como não poderia deixar de ser, a convivência com o compositor acabou em samba. Ele compôs uma letra em homenagem ao PADI.

'E deixa a vida me levar'
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"Não sou malandro porque sei ser malandro. O malandro é o sujeito que sabe aproveitar as oportunidades na hora certa". É assim que Vicentinho descreve a sua personalidade. Para ele, a vida deve ser levada como bem canta Zeca Pagodinho. "Deixa a vida me levar", diz.
Para Vicentinho, Zeca é o "que há de melhor no samba e no pagode". Segundo ele, há seis anos compôs duas músicas para o sambista. Uma delas fala da relação do cantor com Xerém.
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"Gosto muito do Zeca Pagodinho. Era magrinho e cantava no Cacique de Ramos", lembra o compositor. E foi a admiração que tem pelo cantor que o impediu de contar o feito ao seu ídolo. "Uma vez encontrei com ele na Cidade do Samba. Fiquei congelado e não tive coragem nem de falar", conta.
Para Vicentinho, tudo dá inspiração. Atualmente, por causa do problema na visão, não consegue escrever. "Mas vou superar isso. Voltarei a escrever minhas composições", avisa. 
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Anjos da Saúde
Samba feito para equipe do Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso (PADI)
Compositor: Vicentinho
Podem entrar, a equipe do PADI chegou
São os anjos da saúde
Que elas cuidam com amor
Elas dão a receita da felicidade
Muitas doses de carinho, paz, amor e amizade
Comprimidos de alegria
Curam até depressão
E pomadas de esperança
Massageia o coração
Meus queridos governantes, a saúde é um direito
Tá na lei dê o seu jeito
O nosso povo quer respeito