São Paulo e Brasília - Imposta pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, a exclusão do coronel Ricardo Sant'Anna da comissão de transparência da Corte expôs falhas do Exército no controle sobre a atuação político-partidária de oficiais. O episódio revela a fragilidade da corporação na garantia da isenção no processo de fiscalização das urnas eletrônicas.
Sant'Anna era um dos nove integrantes indicados pelo Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber) para analisar a segurança do processo eletrônico de votação. Trata-se de ponto central da atual campanha eleitoral à medida que o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato a mais um mandato, questiona, sem provas, a lisura do sistema.
O coronel postou nas redes informações falsas sobre os equipamentos. Ele também compartilhava publicações de páginas bolsonaristas e fazia comentários contundentes sobre o PT. Em um deles, afirmou que "votar no PT é exercer o direito de ser idiota". O caso foi divulgado na sexta-feira pela Coluna Rodrigo Rangel, do site Metrópoles, e confirmado pelo Estadão.
A reportagem apurou que o Exército pretendia afastar o oficial antes da decisão de Fachin e só não o fez porque buscava um substituto. Sant'Anna e os demais integrantes da comissão teriam sido advertidos sobre o uso de redes quando foram trabalhar no grupo, em 2021. O Comando determinou que, se houvesse indício de transgressão, ela seria apurada.
Analistas ouvidos pelo Estadão disseram acreditar que o caso compromete a imagem da Força. "Ele (Exército) pode até querer agir de forma neutra, mas não está adotando salvaguardas suficientes", afirmou o cientista político Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que tem acompanhado o movimento das Forças e das polícias nas eleições.
Para Lima, se o coronel, como cidadão, pode ter uma determinada opinião, como representante do Estado ele deveria ter demonstrado o máximo de isenção. Sant'Anna, portanto, deveria ter mais cuidado nas redes sociais. "Por que o Exército não fez uma investigação social prévia dos militares? Pois era papel da inteligência levantar essa situação a fim de proteger a instituição."
O historiador e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed) Manuel Domingos Neto afirmou que faltou ao Exército melhor triagem para saber se havia casos "gritantes" como o do coronel entre os indicados para a comissão. Para Domingos Neto, seria um desafio encontrar oficiais isentos, principalmente diante da influência do bolsonarismo na tropa, mas uma instituição ideal precisa ter mecanismos de controle.
Favorito para substituir Sant'Anna, o tenente-coronel Gleyson Azevedo da Silva também deve ficar de fora da comissão. O nome dele havia sido escolhido pelo Comando do Exército na noite da segunda-feira, mas, assim como Sant'Anna, o tenente-coronel fez postagens de viés político nas redes. Em publicações no Instagram, ele criticou o PT e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Com isso, a nomeação do tenente-coronel para a equipe deve ser descartada pelo Ministério da Defesa.
A descoberta da atuação de Sant'Anna e sua exposição prejudicam a estratégia do governo e dos generais vinculados ao Planalto de ganhar tempo, ocupando a campanha eleitoral com o debate político sobre as urnas. Além disso, a revelação se dá em meio às reações da sociedade civil em defesa da democracia e do processo eleitoral, previstas para esta quinta-feira, 11, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Na semana passada, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, pediu acesso urgente a dados - os códigos-fonte das urnas eletrônicas - que estavam disponíveis havia dez meses e já foram examinados por Polícia Federal, Tribunal de Contas da União (TCU) e outros agentes convidados a fazer parte da comissão de transparência.
Como mostrou o Estadão nesta segunda-feira militares já avaliam como realizar uma apuração paralela, com base nos boletins de urna e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). O objetivo seria evitar que as explicações técnicas do TSE consigam exaurir as dúvidas dos militares antes da eleição.
O bolsonarismo precisaria manter a dúvida sobre a lisura das urnas até o dia do voto, e as Forças Armadas têm nos ocupantes do Planalto papel central na estratégia. Caso Bolsonaro seja derrotado - e hoje as pesquisas apontam este cenário, como mostra o agregador de pesquisas do Estadão -, o discurso da fraude será o primeiro ato para o grupo manter influência e negar ao vencedor a tranquilidade que a legitimidade do voto garante ao candidato eleito.
A decisão de Fachin sobre o coronel foi tomada após vir à tona a notícia de que o oficial do Exército fez diversas publicações nas redes de conteúdos que, nas palavras de Fachin, "disseminaram informações falsas a fim de desacreditar o sistema eleitoral".
"Conquanto partidos e agentes políticos tenham o direito de atuar como fiscais, a posição de avaliador da conformidade de sistemas e equipamentos não deve ser ocupada por aqueles que negam prima facie o sistema eleitoral brasileiro e circulam desinformação a seu respeito", escreveu Fachin. "Tais condutas, para além de sofrer reprimendas normativas, têm sido coibidas pelo TSE através de reiterados precedentes jurisprudenciais."
Em uma das postagens, o oficial comparou a segurança das urnas a uma loteria e escreveu que "nenhum país desenvolvido" adota o sistema. Além do Brasil, França e Estados Unidos usam urnas eletrônicas. "A elevada função de fiscalização do processo eleitoral há que ser exercida por aqueles que funcionam como terceiros capazes de gozar de confiança da Corte e da sociedade, mostrando-se publicamente imbuídos dos nobres propósitos de aperfeiçoamento do sistema eleitoral e de fortalecimento da democracia", prosseguiu Fachin no ofício à Defesa.
Sant'Anna é formado em Engenharia de Telecomunicações pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e especialista em defesa a ataques cibernéticos. É chefe da Divisão de Sistemas de Segurança e Cibernética da Informação no Exército.
Nesta segunda-feira, 8, o TSE rejeitou pedido das Forças para acessar documentos das eleições de 2014 e de 2018. A negativa consta em resposta de Fachin ao ministro da Defesa, que, em junho, havia solicitado o compartilhamento dos arquivos.
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