A primeira-dama, Michelle BolsonaroSergio Lima / AFP
Em um culto no domingo passado, Michelle afirmou que o Planalto, "hoje, é consagrado ao Senhor Jesus". Dois dias depois, em uma rede social, compartilhou vídeo que mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no ano passado, em um ritual do candomblé, o que foi associado às "trevas". "Isso pode, né? Eu falar de Deus, não", escreveu.
Pela Constituição, Michelle pode falar de Deus, como os adeptos de quaisquer crenças têm o direito de professá-las. A própria primeira-dama já sofreu preconceito, quando, após aprovação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal, no ano passado, orou em línguas - uma expressão da fé pentecostal - e foi alvo de comentários pejorativos.
As declarações recentes, no entanto, indicam o uso de um equipamento da administração pública - no caso, o Planalto - com objetivos privados e eleitorais, o que, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, fere o Estado laico. Para o cientista político Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico, Michelle pôs a relação entre política e religião em um patamar inédito no Brasil.
"Em matéria de religião, ritualística é tudo", afirmou Valle. "Ela (Michelle) faz um discurso com uma prosódia, um vocabulário, toda a performance de um pentecostal conduzindo o culto", disse. Ontem, a primeira-dama foi destaque em evento religioso no Rio. "O Estado é laico, sim, mas eu sou cristã. Nós vamos, sim, trazer a presença do Senhor Jesus para o governo", declarou Michelle na Marcha para Jesus, onde foi mais ovacionada do que o presidente.
BATALHA
Oscilante entre criticar Bolsonaro e buscar o apoio do presidente na corrida pelo Senado - iniciativa já frustrada -, a deputada estadual Janaina Paschoal (PRTB-SP) afirmou discordar dos posicionamentos de Michelle. "Tenho preocupação com o tom que a nossa primeira-dama está dando (à religião na campanha)", disse ela, que é professora licenciada da USP, lecionou a disciplina Direito Penal e Religião e, mesmo em meio a embates com o presidente, disse poder votar em Bolsonaro.
LIBERDADE
Entidades religiosas querem retratação. O Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (Idafro), em relação ao vídeo compartilhado, avalia cobrar responsabilização do caso, cuja competência de investigação é do Ministério Público. "Do ponto de vista jurídico, é inaceitável", disse Hédio Silva Júnior, doutor em Direito e coordenador executivo do Idafro.
ESTRATÉGIA
Conselheiro de Lula na comunicação com religiosos, o pastor Paulo Marcelo Schallenberger afirmou temer violência. "A preocupação é que tragédias como a de Foz do Iguaçu entrem no campo da religião", disse, ao se referir ao homicídio do petista Marcelo Arruda pelo bolsonarista José Guaranho. O pastor discute com a campanha petista uma reação "urgente" ao avanço de Bolsonaro. Entre as propostas estão a realização de um culto pentecostal em São Paulo e live na qual Lula exporia ações em favor da liberdade religiosa.
As mulheres, hoje, são a maioria no eleitorado, e os evangélicos, cerca de 30% da população. Em Minas, o presidente reverteu, em um mês, empate técnico com Lula entre evangélicos e, segundo pesquisa Genial/Quaest, está 18 pontos porcentuais à frente.
A cientista política Silvana Krause, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disse que a questão religiosa é decisiva. "Os neopentecostais têm sido muito mobilizados. Isso fica claro com Michelle Bolsonaro resgatando o bem e o mal, a terra prometida."
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.