Áudio atribuído a Ciro Gomes em postagem usa técnica de deepfakeArte/Comprova
Onde foi publicado: WhatsApp e Facebook.
Conclusão do Comprova: É falso que seja Ciro Gomes falando em um áudio atribuído a ele com mensagem sobre a tomada de poder pelas Forças Armadas caso Lula seja eleito presidente da República. O áudio faz parte de um vídeo postado no Facebook, no último dia 3, que atingiu, até o dia 6, mais de um milhão de visualizações. Na gravação, é dito que as Forças Armadas estão cientes que existe um esquema armado para eleger Lula, e que, por isso, estão preparadas para tomar o poder caso o candidato do PT seja eleito.
Ao Comprova, os peritos Mario Gazziro, da Universidade Federal do ABC (UFABC), Paulo Matias, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Kalinka Castelo Branco, da Universidade de São Paulo (USP), analisaram o material e concluíram que o áudio é falso. Como base de comparação, os pesquisadores utilizaram áudio do discurso de Ciro Gomes na convenção nacional do PDT, que ocorreu no dia 20 de julho deste ano. A similaridade encontrada nos áudios foi de 47% – o que indica que é falso. Gravações do mesmo autor devem apresentar similaridade acima de 80%, de acordo com Gazziro.
Procurada pelo Comprova, a assessoria de imprensa de Ciro Gomes respondeu que os áudios não são do ex-governador do Ceará. “Infelizmente as eleições de 2022 foram e estão sendo violentadas com diversas mentiras distribuídas por gabinetes de ódio montados pelas principais candidaturas”, afirmou.
Outra evidência de manipulação, é o fato de o áudio não guardar relação com o posicionamento de Ciro Gomes, que divulgou, nesta terça-feira (4), vídeo em que afirma seguir a decisão do seu partido, o PDT, em apoio à candidatura de Lula no segundo turno.
“Frente às circunstâncias, é a última saída”, declara Ciro Gomes, que ainda afirma, no vídeo, não acreditar que a democracia esteja em risco nesta disputa eleitoral.
Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova verifica conteúdos com grande alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de outubro, a publicação no Facebook que deu origem à verificação tinha 1,3 milhão de visualizações, 64 mil curtidas, 66 mil compartilhamentos e 14 mil comentários. A postagem foi sinalizada como falsa no Facebook. Em relação à circulação no WhatsApp, não é possível dimensionar o alcance de conteúdos que viralizam no aplicativo de mensagem.
O que diz o autor da publicação: A equipe do Comprova entrou em contato com o responsável pela postagem no Facebook. Questionado sobre como obteve o áudio e por qual motivo decidiu compartilhá-lo sem confirmação de veracidade, ele respondeu que a voz é idêntica a de Ciro Gomes. E questionou: “Aonde está a declaração do partido dizendo que o áudio não é do Ciro?”.
Como verificamos: Para descobrir a veracidade do áudio, o Comprova entrou em contato com profissionais de perícia para uma análise da gravação e buscou um posicionamento da assessoria de imprensa de Ciro Gomes. A equipe também pesquisou declarações recentes de Ciro sobre o atual cenário político nacional e sobre a legislação brasileira.
Laudo elaborado por peritos conclui que áudio é falso e configura deepfake
O resultado da análise realizada pelos peritos apontou que a similaridade do áudio verificado é de 47%. Quando abaixo de 10%, é provável que a fraude tenha sido realizada por um imitador. Já entre 10% e 80%, o conteúdo é gerado por meio de deepfake – quando uma base grande de dados da voz é copiada e utilizada para gerar o text-to-speech (texto lido por uma voz aprendida artificialmente sintetizada via computador).
Ainda que a análise cepstral tenha sido criada para fins médicos, a combinação com técnicas modernas possibilita levantar a identidade vocal de um indivíduo analisado, conforme explicação do pesquisador da UFABC. “Do ponto de vista matemático, trata-se de uma análise em frequência que ‘desembaralha’ o espectro vocal e o atribui a uma escala de cores logarítmica, adequada à sensibilidade do ouvido humano para as frequências audíveis”.
No laudo elaborado, a análise cepstral foi realizada a partir do áudio do discurso de Ciro Gomes na convenção nacional do PDT, quando o partido confirmou sua candidatura no dia 20 de julho de 2022. Segundo Gazziro, é importante que, na análise cepstral, as vozes comparadas sejam da mesma época em que a amostra foi supostamente gerada. “Uma vez que a análise cepstral identifica componentes do trato vocal, isso pode sofrer mudanças com o avanço da idade”, explica.
Por fim, a análise gera um mapa relativo ao trato vocal. Gazziro explica que os mapas gerados se assemelham a impressões digitais dos dedos. Quando a gravação é feita pelo mesmo autor, a variação é baixa entre diferentes tipos de fala. Como exemplo, ele diz que se uma mesma pessoa cantar rápido em inglês e narrar calmamente em português em áudios diferentes, a similaridade ainda será acima de 80%, já que são gravações de mesma autoria.
Assessoria de Ciro Gomes nega veracidade do áudio
“Infelizmente as eleições de 2022 foram e estão sendo violentadas com diversas mentiras distribuídas por gabinetes de ódio montados pelas principais candidaturas. São estruturas especializadas em criar fakenews e espalhar pelas redes, chegando, inclusive, a encontrar eco em alguns setores da mídia. Estes áudios claramente não são de Ciro Gomes”, diz a nota, que também foi publicada nas checagens da Agência Lupa e do site Aos Fatos.
Artigo 142 não prevê intervenção militar no Poder Executivo federal
Em 22 de abril de 2020, durante reunião ministerial cujo registro teve divulgação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro citou o Artigo 142 como um dispositivo a ser empregado em um contexto de intervenção militar no país. Desde então, apoiadores passaram a repetir o discurso.
Em junho daquele ano, ainda durante a repercussão do conteúdo da reunião, a Câmara dos Deputados emitiu um parecer esclarecendo que o Artigo 142 não autoriza a intervenção militar a pretexto de “restaurar a ordem”, como havia sugerido Bolsonaro.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam na internet relacionados às eleições presidenciais de 2022, à pandemia e a políticas públicas do governo federal. Áudios manipulados de uma personalidade política conhecida, como é o caso de Ciro Gomes, com falsa acusação de haver um esquema armado para eleger Lula, são prejudiciais às eleições, às instituições e ao Estado Democrático de Direito. E podem contribuir para contestações infundadas ao resultado das eleições presidenciais.
Outras checagens sobre o tema: O áudio atribuído a Ciro Gomes e verificado nesta checagem também foi apontado como falso pela Agência Lupa, Aos Fatos e Boatos.org. Também envolvendo as eleições presidenciais, o Comprova mostrou, recentemente, que Ciro Gomes não declarou apoio a Bolsonaro, ao contrário do que afirmava post; que não há comprovação de que urna tenha impedido voto em Bolsonaro no Pará; e que vídeo engana ao dizer que Lula pode ter candidatura anulada por conta da Lava Jato.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.