Rio - Foi em Piranhas, sertão de Alagoas, bem perto da Grota de Angicos, onde um dia o bando de Lampião encontrou o seu trágico fim, que nasceu um dos heróis da conquista do Campeonato Carioca. Mas até brilhar no Sul Maravilha e ser um dos destaques da conquista vascaína, a jornada do atacante Gilberto foi espinhosa como um mandacaru.
“Se você visse onde ele começou a jogar, não iria acreditar. O campinho de terra batida era na ladeira. Depois, a prefeitura reformou e deu o nome dele. Tenho muito orgulho do meu filho. Ele saiu daqui com 15 anos e ganhou o mundo sozinho. Ralou muito para chegar onde está”, elogia Gilberto Souza.
Antes de aprender a driblar até a ladeira, Giba ensaiou seus primeiros chutes em campinhos empoeirados do vilarejo de Entremontes, às margens do Rio São Francisco. Ali, onde o sertão parece virar ‘mar’, e o ‘mar’ virar sertão’, ele cresceu vislumbrando um futuro melhor ao lado da companheira inseparável. A bola só ficava de lado na hora dos mergulhos, no Velho Chico, ou nas pescarias com os ribeirinhos.
“Crescemos juntos. Temos uma amizade monstra. Nossas famílias eram muito humildes. Viviam em uma luta danada contra a seca. Apesar das dificuldades, a gente dizia, de brincadeira, que um dia iria chegar a um time grande ”, relembra o goleiro Saulo, atualmente no ABC de Natal.
No primeiro clube, o Grêmio de Entremontes, Gilberto já demonstrava ter o dom de artilheiro. “Ele fazia tanto gol que o levei para o meu time, o Flamenguinho”, diz o pai do jogador, torcedor do Rubro-Negro. “Sou Flamengo. Na região, é o time de maior torcida, Depois, vêm Vasco e Corinthians. Mas, antes de tudo, torço pelo sucesso do meu filho”, justifica.
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Do Flamenguinho, Gilberto foi parar na Escolinha do Cabo Sílvio Rios, onde chegou a disputar um torneio do Sesi, em Alagoas, com a camisa do Atalaia Xingó.
“Ele jogava de volante, mas já fazia muitos gols. Sabia distribuir bem a bola, cabecear e chutava forte. O sucesso dele não me surpreendeu. Ainda vai chegar à seleção brasileira”, aposta o sargento da reserva Silvio Rios, que era dono da escolinha de futebol local.
Apesar do talento precoce, a sorte de Gilberto só mudou quando o Confiança, de Sergipe, fez pré-temporada em Piranhas.
“No coletivo, precisei de jogadores para o time reserva e o Gilberto foi muito bem. Dos dois chutes que deu, um foi na trave e o outro, no gol”, conta o experiente técnico Nereu Pinheiro. Percebendo o potencial do garoto, ele o levou para os juniores do time sergipano.
Logo na estreia, a estrela de Gilberto brilhou.“Era um jogo duríssimo e eu havia perdido vários jogadores por lesão. Coloquei o Gilberto no segundo tempo e ele marcou o gol da vitória”, diz, orgulhoso. A parceria com o atacante se repetiu dois anos depois, quando Nereu assumiu as divisões de base do Santa Cruz e se lembrou da jovem promessa: “Peguei o carro e fui buscá-lo em Sergipe. Em três jogos no time de cima. ele marcou oito gols.”
Até chegar ao Vasco, Gilberto fez jus à fama de artilheiro por Internacional, Sport, Portuguesa e Toronto, sua última escala antes de São Januário. “Ele não falava inglês e se sentia sozinho no Canadá. Só se comunicava pelo intérprete. O convite do Vasco foi uma bênção”, comemora seu Gilberto.
Inspiração para uma legião de garotos nordestinos, Gilberto tenta retribuir um pouco do que ganhou com a sua comunidade. No fim do ano, sempre faz uma festa, em parceria com o amigo Saulo, para arrecadar alimentos e doar aos mais pobres.
Como bom nordestino que é, o atacante faz sempre questão de ajudar e não desiste nunca. Onde muitos veem apenas espinhos — miséria, sofrimento e muita dificuldade —, ele encontrou esperança. O sertão é a inspiração de Gilberto, o seu maior orgulho. Melhor norte não poderia ter quem quer vencer na vida e no futebol.