Fachada da Secretaria Municipal de Educação e Cultura: plataforma desagrada, mas prefeitura mantém o esquema de impressões e conteúdos - Reprodução internet - Google Maps
Fachada da Secretaria Municipal de Educação e Cultura: plataforma desagrada, mas prefeitura mantém o esquema de impressões e conteúdosReprodução internet - Google Maps
Por Jupy Junior
ITAGUAÍ – Com aulas suspensas desde 16 de março, a rede municipal de ensino de Itaguaí vive três realidades distintas. A primeira, mais cotidiana e dramática, remete à grande dificuldade que mães, pais e alunos têm de acessar e saber exatamente o que fazer em relação à “Minha Escola Itaguaí”, plataforma virtual adotada pela prefeitura para minimizar o impacto pedagógico negativo durante a pandemia. A segunda tem como contexto uma lista considerável de queixas dos professores, que não conseguem conciliar a operação na internet com as necessidades dos seus alunos. E a terceira, do governo municipal, é a menos conflituosa de todas: para a Secretaria de Educação e Cultural (Smec), o “Minha Escola Itaguaí” funciona, é eficaz no aprendizado, prático e ajuda os alunos a não ficarem ociosos.

A pandemia e a necessidade de suspender aulas fez emergir em vários municípios plataformas semelhantes, com resultados controversos e muitas reclamações. O Ministério Público do RJ (por meio da 2ª e 3ª Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação da Capital) inclusive já ajuizou ação contra o governo do Estado no sentido de impedir que se compute como dias e horas letivos as atividades educacionais realizadas através de plataformas do Google para ensino a distância. Este é apenas um exemplo de como iniciativas de substituir atividades escolares presenciais por virtuais está longe de ser consensual.

COMO TEM FUNCIONADO
O “Minha Escola Itaguaí” é uma plataforma online lançada pela Prefeitura de Itaguaí em 10 de outubro de 2019. Trata-se do sistema Conect+Edu, da empresa Nortus, cuja implementação também foi anunciada, por exemplo, na cidade de Itatiaia (RJ), em novembro do ano passado.

Seu uso passou a ser disseminado com a suspensão das aulas por causa da pandemia. De acordo com a resolução 06/2020 da Secretaria de Educação, as atividades são obrigatórias e contarão para complementar a carga horária do ano letivo.
Tela de acesso da plataforma: dificuldade de acesso à internet é o principal obstáculo para utilização - Reprodução internet


Na plataforma, os professores postam conteúdos para seus alunos e estes realizam as atividades. A orientação é que todos os trabalhos sejam entregues quando as aulas voltarem ao normal. Segundo a prefeitura, não se trata de ensino a distância, e sim de “atividades não-presenciais”.

A direção da cada escola, então, solicitou que os professores preparassem os conteúdos e os disponibilizassem virtualmente.
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A Secretaria Municipal de Educação decidiu atender as pessoas sem internet ou com dificuldade de acesso imprimindo as tarefas nas escolas a fim de que os pais as levassem para casa e os filhos as cumprissem. Folhas impressas com conteúdo equivalente ao virtual.

Porém, o esquema apresenta falhas, de acordo com vários depoimentos.

O QUE DIZEM AS MÃES
“Não consegui acessar pelo meu celular, nem pelo do meu filho. Sorte ele ter ganhado um laptop da minha irmã. Mas não temos como imprimir, não tenho como pagar a impressão. Nós, pais, não temos como alfabetizar nossos filhos”, diz uma mãe.

Outra conhece uma mãe que não tem celular, nem computador, nem qualquer tipo de acesso à internet.

Uma mãe com dois filhos, a menina estuda no Ciep 497 e o menino no Antonio Tupinambá. Familiares dela testaram positivo para Covid-19. Ela conta: “Nem sempre tenho internet, quando eu consigo entrar, tem quatro atividades para meus filhos fazerem. Preciso de dinheiro para comprar remédios, não sobra para pagar internet”.

“Acessar a plataforma requer internet com boa capacidade, que muitos não conseguem ter, principalmente em tempos de desemprego e pandemia. Além disso, nem todos os celulares têm recursos para acessar os arquivos, principalmente porque alguns são em Word, e nem todos os celulares abrem esse tipo de conteúdo. Para acessar matérias de jornais como algumas atividades solicitam, gasta-se crédito de pré-pago. Muitas pessoas humildes não conseguem acessar”, diz Ilce Barbosa, que tem filhos matriculados no Ciep 496.

Raquel, mãe do Pedro, conta: “Estou tendo muita dificuldade de ajudá-lo a fazer o dever. A internet do meu telefone não dá, preciso fazer meus bicos para poder sobreviver. Faz alguns dias que não consigo entrar nessa plataforma. Muito complicado. Não tenho como comprar outro celular ou computador para ele, nem como tirar xerox dos trabalhos para ele fazer”.

Cristiane, mãe do Mateus: “Falei com a inspetora. Minha internet não dura muito. Ela me disse que só tem condições de dar as folhas para o pré, e não tem condições para o quarto ano, ela me disse que não tem tinta de impressora. Não tenho como passar dever para ele”.

Assim como esses, os depoimentos com insatisfações e limitações são vários: acumulam-se no Facebook, na própria interface do sistema e nos grupos de WhatsApp.

O QUE DIZ O SINDICATO DOS PROFESSORES
O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação no Estado do Rio de Janeiro (Sepe) discorda radicalmente da proposta do “Minha Escola Itaguaí”, e a lista de motivos é extensa. O Sepe diz que quem faz os acessos, na maior parte das vezes, não são os alunos, mas diretores e funcionários das escolas, para imprimirem as folhas e entregarem em mãos para os estudantes ou seus pais. Há conteúdos sendo ministrados em disciplinas para as quais não havia professor. Houve corte de horas-extras e auxílios aos professores, que não foram treinados para operar a plataforma.
Segundo o sindicato, anunciou-se no dia 15 de março que as atividades não-presenciais entrariam em vigor, e já se cobrou conteúdo para o dia seguinte. Há professores com limitações de acesso à internet e com dificuldade de operar o sistema, o qual, segundo o Sepe, possui um suporte técnico que não funciona.
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Tela inicial do Minha Escola Itaguaí: sindicato dos professores diz que número de acessos, na sua maioria, não é de alunos - Reprodução internet


“Os funcionários da escola criam e-mail para pessoas que mal sabem fazer isso e a partir daí é fácil colocar funcionários para acessar. Há entrega de material praticamente todos os dias. A escola tem feito o acesso dos alunos e feito impressões para entregar. A senha é 12345 para todos. Então, qual é a utilidade da ferramenta virtual?”, questiona o Sepe.

Segundo representante do sindicato, a entidade fez denúncias ao Ministério Público para apontar as contradições da plataforma.

O QUE DIZ A SECRETARIA
A subsecretária para assuntos pedagógicos, Cristiane Fiorotti, disse que o “Minha Escola Itaguaí” é um sucesso, pois são mais de 13 mil acessos semanais em média, e que soube de relatos de pessoas bastante satisfeitas com a ferramenta. Ela diz não ter conhecimento de reclamações e que, se elas existem, não chegaram até a Secretaria. Para tanto, ela indica o site da prefeitura para registrar a queixa ou uma carta a ser entregue na sede da Smec, no Morro do Corte.

Ela disse também que a informação do Sepe, de que funcionários fazem acessos pelos alunos, não procede porque “o perfil de acesso deles é de administrador, não de aluno”.
Quanto aos conteúdos de disciplinas para as quais não havia professor, ela afirmou que são de responsabilidade dos “coordenadores de área da Smec em conjunto com a equipe pedagógica das Unidades Escolares”. Fiorotti informa que os professores já haviam sido cadastrados antes de 15 de março, “pois esta plataforma está em funcionamento desde dezembro de 2019”.
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Sob a denúncia do Sepe de que os funcionários das escolas estavam realizando os cadastros e acessos dos alunos, a subsecretária informou: “os responsáveis que tiveram dificuldade com o cadastro receberam auxílio tanto da escola quanto do suporte técnico da plataforma”.
Fiorotti não vê a entrega das folhas de exercício impressas nas escolas como algo confuso ou problemático. Ela reagiu com estranheza aos relatos de falta de material nas escolas para impressão. “Trocamos uma impressora em uma escola e fornecemos papel, não há qualquer requisição nesse sentido”, afirmou.
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Sobre a quantidade de acessos – 13 mil em um universo de 19 mil estudantes em 62 unidades escolares – Cristiane disse que o número aparece em relatórios semanais que a Smec obtém do próprio sistema, e que isto é a medida do sucesso da ferramenta na rede de ensino.
A subsecretária explica: “Não é aula online. O professor posta as atividades para a semana inteira na plataforma. Ele não precisa entrar todos os dias, pode programar as atividades semanalmente. Aluno não precisa entrar todos os dias. Baixa as atividades e faz durante a semana. No retorno, os alunos apresentam as atividades. Não estamos contando frequência. Cada atividade equivale horas que vão ser computadas ao final quando o aluno apresentar as atividades realizadas”.
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Fiorotti disse ainda: “As escolas estão se organizando muito bem, tendo cuidados para evitar aglomerações. Caso alguma escola tenha dificuldade para imprimir, é só enviar solicitação para a secretaria e mandar os arquivos. Aí nós imprimimos e devolvemos para eles”.
POST NO FACEBOOK
Pouco depois do fim da entrevista com a subsecretária, que aconteceu por telefone, a página no Facebook da Smec exibiu uma postagem (terça-feira, dia 16, às 14h02) com orientações sobre como agir em caso de dúvida com o “Minha Escola Itaguaí”. O texto diz o seguinte: “A dificuldade em entrar na plataforma por causa do login e da senha tem sido uma das principais dúvidas de pais e responsáveis de alunos. Nesse sentido, a orientação é uma só: que eles façam contato com a direção da escola ou da creche para que resolvam as pendências de acesso. É de extrema importância que isso seja feito o quanto antes, afinal as atividades virtuais seguem sendo postadas diariamente. A plataforma é uma ferramenta interativa com atividades multimídias, uma forte aliada no ensino-aprendizagem nesta época de pandemia”.