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"Meu nome está à disposição de Itaguaí", diz Donizete, segundo colocado
Empresário que obteve votação histórica já trabalhou na lavoura, vendeu picolé e hoje tornou-se importante personagem político
Por Jupy Junior
ITAGUAÍ – Antonio Donizete Gasparino de Jesus já era um fenômeno antes de se tornar o homem que conseguiu o segundo lugar na disputadíssima eleição para prefeito de Itaguaí que resultou na vitória de Rubem Vieira (Podemos) por inacreditáveis 1.032 votos de diferença. Donizete, como é chamado, é um homem negro de 1,75m de altura, olhos muito expressivos, um sotaque mineiro bem perceptível à primeira palavra pronunciada em uma voz melodiosa e ligeiramente aguda, às vezes. Ele gesticula com as mãos enquanto conversa, mas franze o cenho quando raciocina no meio da frase dita sempre de forma muito calma. Quando sorri, mostra duas fileiras de dentes muito brancos e perfeitos, como chicletes Mentex.
Pois foi esse homem calmo, sereno, magrinho e de olhar apaziguador que chegou perto, muito perto de ser prefeito de Itaguaí. Ele somou 10.309 votos (16,6% dos votantes). Chegou a liderar a apuração até mais ou menos 21h de domingo (15), pois o Tribunal Superior Eleitoral teve problemas em divulgar os dados e tudo emperrou às 19h30, com 22% das urnas apuradas até aquele momento. Donizete então estava à frente de Rubão por apenas 18 votos.
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A política é apenas mais um capítulo na história típica desse “self made man”, expressão que os estadunidenses usam para explicar uma personalidade que venceu na vida à custa de habilidade, talento e esforço combinados. A história de Antonio Donizete daria um bom filme: ele tinha tudo para fracassar, mas venceu.
MUITAS ANDANÇAS Donizete nasceu há 46 anos no Paraná, na pequena cidade de Kaloré, que hoje tem menos de cinco mil habitantes, segundo o IBGE. É o do meio de uma família de oito irmãos. O pai trabalhou na roça, foi boia fria, plantando hortelã. A mãe, do lar. Em 1976, quando Donizete tinha apenas dois anos de idade, começaram as andanças da família, sempre em busca de melhores oportunidades de vida. Foram para Minas Gerais (daí a origem do sotaque), para a cidade de Campanário, onde o pai trabalhava na limpeza de pastos de uma fazenda. Em seguida, foram para Governador Valadares. O jovem Donizete conta que chegou a andar oito quilômetros a pé para ir para a escola. A partir de 1984, a família se mudou várias vezes de cidade, agora dentro do estado do Espírito Santo: Colatina, São Roque do Canaã, Santa Maria de Jetibá. Desde muito cedo, ajudava o pai na lavoura de café e cana-de-açúcar. Também vendia picolé e trabalhava na feira livre.
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Aos 22 anos, Donizete conseguiu mudar de atividade e sair da lavoura: foi trabalhar na Saulo Transportes. “Meu sonho de criança era ser motorista de caminhão”, conta ele, que realizou o sonho e atuou nessa profissão. Os donos da empresa mantêm até hoje uma relação de afeto com ele, uma história que tem um marco: o ano de 1999. Aos 25 anos, Donizete recebeu uma proposta dos patrões para trabalhar em Itaguaí como motorista da operação de carga e descarga de contêineres no Porto. Nascia ali a oportunidade de desenvolver habilidades que o tornaram um bem-sucedido empresário.
TRAJETÓRIA DE SUCESSO De encarregado, passou a gerente geral. “Sou muito dedicado, só tirei dois períodos de 15 dias de férias na minha vida”, assim explica ele a ascensão. Aos poucos, juntou dinheiro e conseguiu comprar um caminhão Jacaré para executar serviços e assim incrementar sua renda. Em 2007, a ThyssenKrupp, então dona da siderúrgica em Santa Cruz, precisou de serviços de dragagem e contratou uma empresa que contratou Donizete.
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A prosperidade aconteceu: aos poucos, o paranaense com sotaque mineiro montou uma frota e se dedicou a oferecer transporte especial para substâncias ou materiais que exigiam veículos apropriados. Foi então que a Guiomar Transportes (em homenagem à mãe), criada em 2002, cresceu rapidamente. Donizete chegou a ter mais de 250 funcionários (“nunca pensei que assinaria mais de 100 carteiras de trabalho, eu só queria dirigir caminhão”, conta ele).
Pois o homem que completou estudos até a sexta série primária conseguiu excelentes contratos com grandes empresas, graças à principalmente à sua habilidade de relacionamento (“conheci todas as pessoas importantes do Porto, fiz muitos amigos e isso me abriu muitas portas”, lembra ele).
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Como uma demonstração do seu tino para negócios, ele vislumbrou na locação de equipamentos pesados uma oportunidade de driblar a crise que começou a preocupar a indústria no ano passado. Foi assim que surgiu a ADM Locação. Hoje apenas 15 funcionários trabalham com Donizete, mas uma das suas duas empresas transporta cerca de 400 contêineres por mês e três mil por ano.
Casado há 18 anos com Mariléa - que era dona de uma auto-escola no Espírito Santo, onde se conheceram - o casal tem três filhos. Ela participa ativamente na condução dos negócios da família.
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ENTRAR PARA A POLÍTICA Se tudo estava tão bem, por que então entrar para a política? Não é uma resposta pronta que sai da boca de Donizete. Ele foi convidado a ser candidato a vereador pelo partido Republicanos (na ocasião, PRB) em 2016. Obteve 745 votos e ficou como suplente. Em quatro anos não se ouviu falar dele no meio político. Na cidade, era conhecido, mas nem tanto. A história dos 10.309 votos começa apenas em janeiro deste ano. Sim, ele decidiu que tentaria ser prefeito há poucos meses. A família o apoiou. Ele parece não saber com precisão quando decidiu concorrer ao cargo, mas tem certeza que a atribulação (e os perigos) das disputas políticas não o demovem do amor que sente pela cidade. Diz que é uma espécie de retribuição: “Se eu tive chances aqui de ser alguém na vida, acho que outras pessoas devem ter também”, justifica.
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Em abril, já pensando na campanha, ele se tornou presidente do partido Republicanos, mas um embate com Alex Magrão - que não aceitou ser o seu vice - fez Donizete pular para o Cidadania, partido pelo qual efetivamente concorreu.
“Eu achei que teria uma boa votação, mas me surpreendi pelo volume”, analisa Donizete sobre a enxurrada de votos que recebeu. Ele calculou que disputar com figuras políticas conhecidas na cidade seria bastante difícil.
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Ainda tentando explicar a grande aceitação do eleitorado em Itaguaí, Donizete acredita que acabou se tornando uma terceira via entre candidatos com mais experiência, e que o fato de não ser tão conhecido acabou por ajudá-lo. O trabalho feito na internet, com lives quase diárias, e o seu modo de expor os assuntos com simplicidade devem ter causado uma forte empatia que o alçaram a esta condição de fenômeno: no dia seguinte à apuração e divulgação dos resultados, suas redes sociais tiveram engajamento de milhares de pessoas.
Futuro político? Eis o que ele afirma: “Se tiver alguém com competência para servir ao povo de Itaguaí, fico na minha, não saio do meu canto. Agora, se não houver, aí sim, continuo a batalhar”. E complementa: “Não quero poder, quero servir”.