O casal de atores estava há 16 anos juntos - Arquivo de família
O casal de atores estava há 16 anos juntosArquivo de família
Por Irma Lasmar
Niterói - A consciência da gravidade da pandemia faz com que Sylvio Moura, viúvo de Érika Ferreira, processe dia após dia dentro de si a sua perda. A atriz e diretora de teatro gonçalense de 40 anos morreu em Niterói em decorrência de complicações de saúde provocadas pela contaminação do novo coronavírus, no dia 28 de março. Desde então, o marido, de 37 anos, que é ator e dramaturgo, ainda não conseguiu disposição emocional para ler as reportagens publicadas sobre o caso. E fala dela com verbo no tempo presente. “É como se ela tivesse ido ali e já voltasse. Difícil aceitar essa finalização. Sinto muita saudade”, desabafa ele, que sepulta um relacionamento de 16 anos.
Assim que foi decretada a quarentena em Niterói, no dia 15 de março, Erika e Sylvio fizeram compras de mercado para ficarem por tempo indeterminado em isolamento domiciliar. Ela diabética e ele bronco-asmático, levaram a sério a ordem das autoridades de saúde. Entre a casa da mãe dela em Niterói e a da família dele em São Gonçalo, como normalmente se revezava, o casal preferiu passar essa temporada na dele, onde o imóvel (localizado no bairro Jockey) é divido em residências independentes e seria mais fácil o distanciamento social do restante dos moradores. “Tivemos todo o cuidado do não-contato. Se minha mãe pegou o vírus de nós, ficou assintomática, não manifestou”, lembra ele.
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Entretanto, antes de se isolarem definitivamente, ambos cumpriram agendas de trabalho inclusive juntos. E os sintomas vieram três dias depois: primeiro para Erika, como um quadro de resfriado, que incluía muita tosse e perda de paladar. No dia seguinte, foi a vez de Sylvio iniciar um quadro de coriza, dores no corpo e cansaço. “A ausência da febre nos fazia declinar da ideia de que pudesse ser coronavírus, pois no surgimento da doença esta era sua principal característica”, rememora ele. Uma semana depois dos primeiros sintomas, Erika sentiu fortes dores no peito e dificuldade para urinar. O casal seguiu para um hospital particular no Fonseca, coberto pelo plano de saúde da atriz, que chegou lá com o princípio da febre que não tivera até então, além da dificuldade de respirar que atribuiu ao uso da máscara e à temperatura mais baixa.
Com a esposa internada e isolada para exames, Sylvio foi orientado a ir para casa e voltar ao hospital no dia seguinte com produtos de higiene pessoal para a paciente, porém não conseguiu mais vê-la: o quadro da atriz evoluiu para a paralisação do funcionamento dos rins e o coma induzido. Mesmo assim, recebeu boas perspectivas dos médicos, que iniciariam a hemodiálise o mais rápido possível. “Naquele mesmo dia, bem tarde da noite, me ligaram pedindo que eu comparecesse imediatamente com os documentos dela, e logo concluí que as notícias não eram boas. Peguei carona com meu vizinho e ao chegar ao hospital fui informado da morte da Erika, antes do resultado do exame, que deu positivo pro coronavírus”, conta o marido, que pretende fazer um velório simbólico para a esposa após o término da pandemia, para que familiares e amigos possam se despedir dela. “Não poder velar um ente querido, não poder dar adeus, é muito cruel”.
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Durante todo esse período, o dramaturgo teve sintomas de febre e tosse que se mantiveram estáveis e não pioraram. Não conseguiu fazer os exames, pois à essa altura a pandemia avançava e já ocasionava a seleção somente de doentes graves para a testagem, cujo material era inferior à demanda de procura. “Estamos em uma roleta russa, onde não se sabe quem será o próximo, por mais que tomemos cuidados para não nos infectarmos. A sensação é de que a Covid tá na esquina esperando”, lamenta.
Sylvio se indigna com o número ainda grande de pessoas que continuam negando a periculosidade da Covid-19, ou mesmo a sua existência. “É difícil dialogar com quem tem crenças sem argumentos mesmo diante de provas. Gente que acredita que o vírus é um boato, uma intriga da oposição. Monstruosidade maior são as lideranças políticas que não tomam ações enérgicas sobre a contenção da doença. Não dá pra voltar a abrir comércio e indústria e estradas agora, como muitos defendem. O Brasil chegou a dez mil mortos, sem contar outros milhares não diagnosticados, e os números continuam a crescer. Ignorar isso é exterminar pessoas. Triste ver brasileiros que buscam essa cegueira e mantêm a máscara do engano. Atualmente sinto mais revolta com o governo federal do que com o vírus”, dispara.