Morador de Santa Rosa, Léo é instrumentista, cantor, arranjador e compositor, além de ser uma inspiração para os seus alunos - Álbum de família
Morador de Santa Rosa, Léo é instrumentista, cantor, arranjador e compositor, além de ser uma inspiração para os seus alunosÁlbum de família
Por Irma Lasmar
Niterói - Leonardo Lobo, 38 anos, é uma exceção a várias regras. Instrumentista, cantor, arranjador e exímio compositor, além de um inspirador professor de música, ele consegue sobreviver no Brasil trabalhando com o que ama, e com a estabilidade de um servidor público da rede de ensino na área que escolheu. E mais: sendo cego desde os 17 anos, quando a doença gradual e irreversível chegou ao ápice. Com um portfólio de dois discos gravados e muitos shows, próprios ou compondo bandas, Leo comemora vinte anos de carreira com a simpatia, a humildade e o vigor que sempre lhe foram marca registrada.
Em duas décadas dedicadas à carreira artística, Leo gravou em 2012 um disco instrumental ao piano e outro em 2014 de pop rock com teclado e voz, além de participar de mais de trinta produções como músico, arranjador e/ou produtor de diversos cantores. Sem pandemia, continua se apresentando em shows intimistas, porém é o magistério sua maior ocupação atual. Morador de Santa Rosa e pianista concursado da Orquestra Sinfônica Municipal de São Gonçalo desde 2013, ele é professor de música da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, atuando no momento nos colégios Objetivo, em Camboinhas, e Smirna, no Maceió, entre outros pelos quais já passou, além de dar aulas de piano e teclado para alunos particulares.
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“O palco representa no momento uma parcela pequena da minha agenda, tomada pela atuação em salas de aula, mas ainda domina a maior parcela do meu coração. Sinto muita falta dos shows. Mas, sendo músico em um país cujos governantes não valorizam a cultura, a carreira acadêmica se mostrou mais sólida. Posso dizer que sou uma exceção no meio, pois vivo de música de maneira formal, como concursado público e tendo mais dois contratos em regime de CLT, e tudo isso sendo deficiente visual, o que neste país é um agravante para a escassez de oportunidades. Minha satisfação é inenarrável, porém lamento não ser a regra”, desabafa ele, atribuindo sua vitória pessoal à paixão e à dedicação ao caminho que escolheu trilhar.
Bacharel em Música Popular Brasileira pela Unirio, sua formação acadêmica inclui Teoria Musical e Solfejo pelo Instituto Benjamim Constant e Técnico em Piano pela Escola de Música Villa Lobos, além da tutoria em Piano Erudito com o Prof. Dr. Marcelo Verzzoni e em Harmonia e Improvisação com o maestro, arranjador e guitarrista Fred Rios. Ademais, desde criança, Leonardo Lobo conviveu com a influência musical do pai, o instrumentista e compositor Alberto Carlos da Silva, 64 anos, e também da mãe, a pastora evangélica e cantora gospel Maria Luíza Lobo, também de 64. Ao mesmo tempo, vivenciou o glaucoma congênito iniciado na infância que se agravou até a perda total da visão aos 17 anos de idade – um processo de preparação para a vida diferenciada que teria à frente por toda a sua jornada.
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Com a baixa visão comprometendo seus estudos já aos dez anos, Leonardo foi transferido de uma escola regular em Niterói para o Instituto Benjamin Constant, no Rio, especializado no ensino a deficientes visuais com base no sistema braille. “A experiência é delicada e traumática. Um fator importante que ressalto foi a atitude de minha família, que se desprendeu da superproteção e me colocou prontamente em um colégio preparatório específico às minhas novas necessidades. Foi doloroso, claro, mas não havia outra solução”, relembra ele, que tem uma irmã, a analista de sistemas Priscila Lobo, de 36 anos, e há cinco anos é pai do esperto Vinícius.
Leonardo Lobo acredita que o ser humano é gentil na sua essência, mas que precisa ser instruído quanto às melhores práticas - o que inclui um olhar mais empático e proativo diante dos portadores de deficiência, focado em acesso a estudo, trabalho e desenvolvimento pessoal. "A desinformação faz com que as pessoas não saibam lidar com os cegos. E as novelas, quando não reforçam o estereótipo, mostram uma realidade de inserção na sociedade que não existe, onde o deficiente pode tudo. Faço parte de uma pequena exceção: tive oportunidades e as agarrei. Mas o padrão do portador de deficiência no Brasil é ser semianalfabeto, desempregado, sozinho. Fico triste, pois não é culpa dele se pede dinheiro ou comida pelas ruas. Chamá-lo de 'vagabundo' e 'preguiçoso' é cinismo e covardia. Pois o ponto de partida entre todos nós não é o mesmo e essa diferença precisa ser sanada com políticas públicas de acesso a ensino, emprego e todo tipo de serviço público", dispara o artista.