Marcelo Bazhuni, diretor do centenário Clube Líbano Fluminense, em uma de suas viagens a Beirute, em frente à La Rauche, famosa pedra furada da orla da capital - Álbum de família
Marcelo Bazhuni, diretor do centenário Clube Líbano Fluminense, em uma de suas viagens a Beirute, em frente à La Rauche, famosa pedra furada da orla da capitalÁlbum de família
Por Irma Lasmar
Niterói - A explosão do armazém de artefatos na região portuária de Beirute na terça-feira (04) assustou e mobilizou os niteroienses com raízes no Líbano. Logo que aconteceu a tragédia – que matou pelo menos 135 pessoas e feriu outras cinco mil, deixando 300 mil desabrigadas – os descendentes de libaneses em Niterói entraram em contato com parentes naquele país do oriente médio para obter notícias. E eles são muitos por aqui: Tauil, Abunahman, Assad, Chaloub, Cheade, Dib, Rachid, Assef, Nacif, Bittar, Nasser, Saide, Saud, Saad, Curi, Slaiby , Sader, Fadel, Daher, Nader, Feres, Cassibi, Kalil, Helayel, Mocarzel, Bedran, Nazar, Amin, Haddad e Lasmar, entre dezenas de outros (veja galeria de fotos ao final da matéria). Ainda investigada, a causa é considerada, a princípio, acidental tendo em vista o grande montante de explosivos à base de nitrato de amônia armazenados no depósito que explodiu.
Assim que soube do ocorrido, Marcio Nascimento Chehab, 45 anos, enviou mensagens para os primos libaneses pelo Facebook e pelos grupos da família no WatsApp. “Graças a Deus todos os Chehab estão bem. Norma, que mora em Beirute, teve prejuízo material de janelas quebradas devido ao forte deslocamento de ar provocado pela explosão. Nabil também sentiu o tremor de terra, mas nada sofreu, pois estava em uma distância além do raio de 12km de maior destruição. Já Ahmad mora na região montanhosa, no interior, numa cidade chamada Hasbaya, mas disse que de lá se ouviu a explosão”, relata ele, que é profissional de segurança eletrônica em Niterói. Ele é neto dos libaneses Fouad e Dauhia Chehab, já falecidos, que migraram para o Brasil no início do século XX. 
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Filho de libaneses e assíduo visitante daquele país, o advogado Roberto Boumaroun, de 78 anos, tem primos e sobrinhos distribuídos entre a capital e o distrito de Ashrafieh. Após ligações, tranquilizou-se com a informação de que estava todos bem. “A notícia foi assustadora. Aquela é uma área nobre, repleta de hotéis, com vista para a ilha de Chipre, que também sentiu a vibração da explosão. Fiquei chocado com os vídeos e as fotos da destruição. O Líbano já vive uma crise econômica e política e não merecia passar por essa tragédia humana. Faz-se fundamental que a comunidade internacional dê ajuda imediata”, exclama.
Morando em Niterói desde 1952 - quando veio com os pais aos três anos de idade - o libanês Marcel Asfour entrou em contato com os tios e primos residentes no Líbano logo que ocorreu a tragédia em Beirute. Ele conta que muitos de seus familiares moram nas cidades interioranas próximas das montanhas, mas trabalham na capital e lá mantêm escritórios e lojas a apenas um quilômetro do local da explosão, que foram destruídos com o impacto do tremor de terra e do forte deslocamento de ar. Por sorte, não estavam no local na hora e, portanto, não se feriram. "Tudo isso é muito triste, mas nosso povo está acostumado historicamente com o renascimento. O país já foi destruído sete vezes e se recompôs. Não será diferente desta vez. O Líbano é a Fênix do Oriente Médio", afirma o técnico de segurança do trabalho de 71 anos, naturalizado brasileiro desde os 19, cujos dois irmãos são nascidos niteroienses.
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O Líbano passa por uma grande crise econômica, com inflação de 50% ao mês, 1/3 da população desempregada e o dólar a sete mil libras libanesas - quadro ainda mais agravado com a pandemia do novo coronavírus, que reduziu a zero o turismo local, que é uma forte fonte de recursos para os libaneses. Antes de a covid-19 se alastrar, a população sofria limites de saques bancários devido a uma ruptura no sistema financeiro. Terça seria o primeiro dia pós-lockdown do país. Neto do libanês Tufie Yassin, de família oriunda de Beirute e Trípoli, e casado com Kamila Nasser, também neta de libaneses migrados em 1920 para o Brasil, Alberto Iecin - o vereador Betinho - acredita que o fato, espontâneo ou proposital, veio em péssima hora para a economia e o patriotismo da população do Líbano.
"Seja acidente, atentado terrorista ou ataque militar estrangeiro, o fato é desolador porque o estrago na vida das pessoas é enorme", diz Betinho. "Beirute tem um histórico grande de atentados e isso faz com que os principais analistas políticos internacionais cogitem todas as hipóteses de causa da explosão. Entre eles a guerra civil vivida pelo país de 1975 a 1990 e a série de crimes políticos ocorridos, como o assassinato dos presidentes Bechir Gemayel em 1982 e René Moawad em 1989 e do primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005, além dos ataques aos quartéis e à embaixada americana, ambos em 1983. Acusar o Hezbollah, que é um movimento de resistência e um grupo terrorista, pode trazer sérias consequências de mais conflitos civis de grandes proporções e até estourar uma vingança contra os refugiados sírios. Neste momento de tristeza e fragilidade, minha solidariedade a todo o povo libanês, independentemente de religião". 
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Ex-presidente entre 2009 e 2019 e atual diretor sócio-cultural do Clube Líbano Fluminense (sediado em Niterói há 103 anos), Marcelo Bazhuni reproduz os relatos de parentes e amigos que possui em terras libanesas. "Metade de Beirute está destruída. Isso é muito triste, pois o lugar, assim como todo o país, é lindo. Há uma divisão política sectária e muita corrupção, com apadrinhamentos políticos nas contratações, e todos usando a religião como bandeira. Isso acarretou na escassez de produtos no mercado e numa cota de compra por pessoa. Junto a isso veio o processo inflacionário dos piores do mundo. Todo esse conjunto preocupa demais. A ajuda internacional não pode ir para as mãos dos governantes e sim diretamente para a população através das instituições sociais sérias que lá existem", dispara.