O subtenente Ricardo Garcia e seu livro polêmico 'O Direito de não ter direitos - A vida de um policial militar', que lhe rendeu 15 transferências em um ano - Arquivo
O subtenente Ricardo Garcia e seu livro polêmico 'O Direito de não ter direitos - A vida de um policial militar', que lhe rendeu 15 transferências em um anoArquivo
Por Irma Lasmar
NITERÓI - Especialistas na área da segurança pública temem as consequências da restrição, em agosto, pelo Supremo Tribunal Federal, de operações policiais em áreas deflagradas durante a pandemia. Diz o texto que as ocupações só serão permitidas em hipóteses absolutamente excepcionais. O comandante do 12º BPM, coronel Sylvio Guerra, em consonância com a Secretaria de Estado da Polícia Militar, declarou que a corporação segue atuando dentro de seus princípios institucionais e de acordo com a Constituição, respeitando sempre as decisões das esferas judiciais. Obediências à parte, todavia, outros militares que estão na linha de frente e delegados da Polícia Civil manifestam preocupação
Delegado de Polícia Civil aposentado, Marcos Neves afirma que a criação de burocracias desnecessárias - como a imposta pelo STF - impossibilita a execução plena das operações, muitas delas com a necessidade de serem imediatas logo que os comandantes tomam conhecimento das ocorrências e têm que utilizar "caveirões" e helicópteros. 
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"Isso causa um impacto, para não dizer estrago, enorme na produtividade das polícias, inclusive Civil e Federal, que não irão dispor dos instrumentos operacionais necessários a certas diligências. Sob a análise jurídica, envolve o aspecto da discricionariedade administrativa (liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei), ou seja, os operadores da atividade de segurança pública (delegados e comandantes) são agentes públicos que dispõem de certa autonomia legal para a tomada de decisão. A Constituição, no Artigo 37 Parágrafo 6, quando trata da responsabilidade extracontratual do Estado, já entrega ao agente público a responsabilidade e a cautela necessárias quando desenvolve certas operações, que podem gerar qualquer tipo de dano. O risco é inerente ao serviço; nas operações pode acontecer tudo ou nada; não tem como prever resultado e garantir a integridade física de inocentes e do criminoso, mas em determinados momentos o confronto se torna necessário. O uso de helicópteros, inclusive, garante maior segurança porque tem visão estratégica da localidade e dá ao policial no solo, mediante comunicação, as informações mínimas para evitar maiores danos", analisa Marcos Neves. 
O mesmo pensa outro titular da Civil, a delegada Cristiana Onorato Bento: "A decisão paralisa a segurança pública, porque a Polícia Militar tem que atuar onde o crime acontece e cessar a injusta agressão, seja na comunidade ou fora dela. Os criminosos continuam se armando com um poder bélico enorme e a polícia não pode entrar. Eles roubam cargas de comida, remédios e eletrônicos, e levam para o interior das favelas, além de desmanches de carros e aliciamento de menores para o tráfico que lá acontecem. Defendo, como bem ressaltou a decisão, que protocolos de conduta para emprego das armas de fogo em respeito à vida devam ser observados. Mas as polícias devem ser capacitadas para tanto e o Estado tem que apoiar e investir em inteligência para que tais operações sejam cirúrgicas e efetivas, e não impedir a atuação estatal em nenhuma hipótese".  
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Já Mário Sergio Duarte, ex-comandante geral da PM do Estado do Rio de Janeiro, interpreta esta decisão do STF como "um desatento reconhecimento de que o Estado Brasileiro perde paulatinamente o poder sobre as microrregiões do país" - no caso em questão, as favelas, que passam a ter uma autonomia de poder paralelo.
"O STF parece desconhecer a gravidade do problema: há milhares de armas de guerra nas mãos do narcotráfico do Rio, e, com tal potência, esses criminosos se comportam com uma insurgência criminal não só de conflito urbano entre facções mas contra o próprio Estado Brasileiro, que perde sua soberania nacional para um poder armado interno. Interditar o combate a estas estruturas criminosas de poder é abrir caminho para elas, que não estão organizadas apenas para comercializar drogas e lucrar. Muito mais do que isso, elas existem como hiper mega coletivos criminosos, com suas ideologias particulares e culturas transmitidas de geração em geração. Infelizmente tudo isso parece passar despercebido e essa situação de magnitude gravíssima é reduzida a aspectos jurídicos", lamenta.
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Ricardo Garcia, subtenente reformado, dispara: "Só pode haver um interesse do STF em manter o caos atualmente estabelecido. Isso só acontece no Rio de Janeiro. Quem fomenta as bocas de fumo são os viciados, de todas as classes sociais, que não recebem penalidade nenhuma. Não demora muito e o Rio vai explodir", diz o autor do livro polêmico O Direito de não ter direitos - A vida de um policial militar, que lhe rendeu 15 transferências em um ano após a divulgação de seu conteúdo em vários jornais. A publicação conta a história de um PM que, após alvejado em uma comunidade e socorrido por uma mulher, narra sua vida enquanto espera pela ambulância, sem saber que ela, na verdade, ela é a própria morte. Garcia também compôs uma música chamada Código 800 - Auxílio policial, ainda disponível no YouTube.
"A imprensa não tem noção da realidade. Não sabe o que é ser oprimido numa comunidade. Tem morador que dá graças a Deus quando a polícia entra na favela. Se a pessoa tem uma filha bonitinha, vai perdê-la pro vagabundo, isso é certo. Se o bandido cismar que o morador é informante da polícia, mesmo não sendo, vai tomar o barraco dele. Já vi vídeo de um traficante cortando o coração do outro a faca. Já chegamos em cativeiros com gente amarrada e banhada em gasolina pronta pra morrer. Existe uma guerra e só não vê quem não quer. Lá na frente vão clamar a volta da polícia. Todo dia tem guerra de tráfico e não é divulgado", exclama um policial do Bope que não quer ser identificado. Ele assegura que as armas que estão nas mãos dos bandidos não vêm da Polícia, e nem as balas perdidas creditadas à uma possível truculência policial. "É muito fácil morrer de bala perdida e acusar a polícia. O policial anota o RG dele no livro da reserva do armamento para retirar a arma de trabalho com o número e o nome dele, tudo registrado, enquanto o traficante distribui armas lá em cima indiscriminadamente. Um armamento sem registro, que nem de longe se assemelham às nossas", complementa.
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