O então presidente João Goulart imediatamente foi para Niterói acompanhar a situação. Voluntários fizeram fila para doar sangue. O caso causou comoção mundial, com doações vindas dos EUA até o Vaticano - Imagem Internet
O então presidente João Goulart imediatamente foi para Niterói acompanhar a situação. Voluntários fizeram fila para doar sangue. O caso causou comoção mundial, com doações vindas dos EUA até o VaticanoImagem Internet
Por Luciana Guimarães
Niterói - 59 anos se passaram...mas aquele fatídico dia ainda dói ao ser relembrado.
No dia 17 de dezembro de 1961, a cidade de Niterói passou pela maior tragédia que já viveu: o incêndio do Gran Circus Norte-Americano, que deixou em seu rastro números chocantes: cerca de 500 mortos e 120 mutilados. 
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O circo, famoso, era autoproclamado maior da América Latina, recebia mais de 3 mil visitantes.
No panfleto convocando o respeitável público, anunciaram orgulhosamente terem uma tenda do mais moderno material — nylon. Coberto por parafina para impermeabilizar.

Parafina, a matéria-prima das velas. Muitas seriam acesas por esse deslize. Estava para começar o pior desastre circense de toda a História, em todo o planeta. E o pior incêndio do Brasil, com mais de o dobro das 189 vítimas do Joelma, em 1974, e as 242 da boate Kiss, em 2013.
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O circo havia atingido sua lotação máxima. Três mil pessoas assistiam ao espetáculo. Um ex-funcionário -  condenado por homicídio logo depois junto com dois comparsas - após serem barrados, decidiram se vingar: jogaram gasolina na lona e acenderam.
Faltando apenas 20 minutos para o fim, o pânico foi instantâneo: a lona incendiou-se ruidosamente e seus pedaços começaram a cair sobre as pessoas, que se empurraram em desespero, até que algumas delas não pudessem mais respirar no aperto.

Uma elefanta saiu em disparada, atropelando quem estivesse no caminho — mas abrindo uma saída, porque não havia nenhum plano de emergência. Em pouco mais de 5 minutos, a lona foi totalmente consumida pelo fogo. De imediato, 372 pessoas jaziam mortas. As outras, num total oficial de 503 vítmas, morreriam depois.

A moradora de São Gonçalo, Zezé Pedroza, como gosta de ser chamada, teve 90% de seu corpo queimado (queimaduras de 3º grau), neste nefasto e triste evento. Entretanto, abençoada e marcada para viver, Maria José, a despeito de todas as dores e cicatrizes marcadas em sua carne, lutou, cresceu, se tornou professora, esposa, mãe, avó, bizavó e autora de livros físicos.

Demorou, mas já na década de 2010 Zezé realizou seu maior sonho: publicar sua biografia. O livro Vidas em Chamas apresenta, sem floreios e sem cortes, as lembranças mais profundas desta mulher impressionante. No livro ela conta sua história através da personagem Natali. A autora traça um paralelo entre os ancestrais da época da escravidão, perpassando por uma análise do cenário político-econômico do Brasil antes e depois da tragédia. Os dois capítulos que narram, com detalhes, os momentos em que esteve dentro do circo em chamas ficam no
meio do livro.

Zezé ficou 20 dias em coma e 8 meses internada, passou por 15 cirurgias para recuperar algumas partes do corpo. As marcas impressas em sua pele foram suas inimigas durante muitos anos.
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“Com pensamento longe eu cheguei ao ano de 1961. Exatamente no dia dezessete de dezembro,
quando o calor estava a quase quarenta graus, e a distração era geral, eu sentada na arquibancada aplaudindo o espetáculo, que foi interrompido com o grito... Fogo! Era a lona de nylon e parafina do Gran Circus Norte Americano ardendo, em labaredas. Ainda hoje eu revivo aquele horrível momento, a multidão correndo em uma só direção e caindo uns sobre os outros que eram pisoteados na fuga da última cena. E eu também estava lá! Mas sobrevivi para contar a minha história de superação. E nem poderia esquecer esse dia que transformou a minha vida, meu viver e minha aparência. Vidas em Chamas, conta com detalhes todo o meu sofrimento, mas também fala de como dei a volta por cima e conquistei tudo que diziam que eu jamais conseguiria. Não é difícil ser feliz, basta se aceitar”, explicou a autora.

LUTA NA JUSTIÇA

Em 1962, a mãe de Maria José de Oliveira Pedroza deu entrada em um processo indenizatório na Comarca de Niterói, onde foi chamada para diversas audiências. No local hoje funciona a biblioteca judiciária. Por questões pessoais, Zezé e sua mãe deixaram todo o andamento do processo nas mãos de um advogado. Em 1976 ela resolveu procurar pelo advogado e pelo processo, mas ambos haviam desaparecido.
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E, durante anos ela buscou seu processo em cartórios distribuidores de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro, em vão. Até que em 2016 Zezé Pedroza encontrou seu processo. Entretanto ela descobriu que havia perdido a causa, já que nem o município de Niterói, nem o estado do Rio de Janeiro, nem o Governo Federal se responsabilizaram pelo incêndio na época, alegando que o incêndio foi criminoso. Além disso, Maria José também não recebeu o valor que cabia a ela do “Fundo de Assistência às vítimas do incêndio em Niterói”, decretado e divulgado no Diário Oficial de 19 de dezembro de 1961 pelo então governador Celso Peçanha.
Mas a professora não desistiu e, com a ajuda de outro advogado, o processo foi refeito e incluído na lista de processos especiais de direitos humanos da ONU. Contudo o processo lá está há quase 2 anos. “Foram tantas lutas! Tantas dores e perdas! Sempre fomos pobres, entretanto meu pai vendeu tudo o que tinha para salvar minha vida. Depois de tudo o que aconteceu comigo, não posso passar por essa vida sem ver concluída, de forma positiva, a justiça dos homens em minha história”, finalizou.