Para a parlamentar, ainda há muita luta pela frente, estatísticas a serem mudadas e outras melhoradas
Para a parlamentar, ainda há muita luta pela frente, estatísticas a serem mudadas e outras melhoradasFoto Evelyn Lee
Por O Dia
Niterói - Em seu terceiro mandato, a vereadora Verônica Lima (PT) se tornou sinônimo de luta, resistência e força em Niterói. Com um incrível tino inquieto e transformador, no último dia 26 de fevereiro novamente deixou sua marca com a implementação da lei, de sua autoria, que regulamenta as cotas raciais em concursos públicos de Niterói. 
Em entrevista, Veronica Lima, fala sobre crenças, carreira, a trajetória aguerrida e sobre o futuro.
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1) Vereadora, a senhora vem de uma longa jornada em busca de igualdade racial desde seu histórico primeiro mandato em 2012, onde foi eleita a primeira vereadora negra a ocupar o cargo na cidade. Nesta semana, mais um feito: a implementação das cotas raciais em concursos públicos do município. A lei, presente no artigo 16 do Estatuto Municipal de Igualdade Racial, de sua autoria, garante a reserva de 20% das vagas nos processos seletivos para a população negra da cidade. Esse tópico há muito já estava em mente?

Verônica Lima: A lei que institui 20% das vagas em concursos públicos de Niterói para negros e negras é a mais importante da minha trajetória como parlamentar. Sei que já faço parte da história política da cidade por ter sido eleita a primeira mulher negra vereadora, em 2012, mas essa lei é igualmente marcante. É um feito histórico muito importante, não só para a comunidade negra, mas para toda a cidade de Niterói. Tenho muito orgulho porque é a lei mais importante da minha trajetória como parlamentar no município.

2) Acredita que o município está avançando nesse sentido?
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Verônica Lima: Acredito, sim, que o município está avançando. É muito importante a gente dizer que Niterói é uma cidade precursora na implementação de políticas públicas, seja na área de saúde, seja na área de educação. Niterói está cumprindo um marco histórico com a implementação das cotas raciais na cidade. A gente sabe que o Estado brasileiro tem uma enorme dívida com o seu povo negro. Essa dívida histórica é fruto de uma desigualdade, de um racismo que estrutura todas as relações de poder na sociedade brasileira. Então, quando nós decidimos pela implementação de cotas na cidade de Niterói, a gente está dialogando com uma reparação histórica da dívida que o Estado tem com a comunidade negra.

3) A senhora é uma ferrenha defensora dos direitos humanos, das mulheres e das políticas de assistência social. Ao longo de sua carreira, criou o primeiro Estatuto Municipal de Igualdade Racial do Brasil e a Lei de Diretrizes para Mulheres Vítimas de Violência, além da lei que destina 3% das vagas em serviços e obras públicas para moradores em situação de rua, entre outras conquistas. Como enxerga, hoje, essas lutas?

Verônica Lima: Gosto de fazer leis que mudem a vida do povo. Quando faço uma lei que determina que todas as pessoas em situação de rua que estejam em abrigos da cidade de Niterói possam ter uma oportunidade de emprego, isso dialoga com o resgate de cidadania que as pessoas precisam ter. Fazer o primeiro Estatuto Municipal de Igualdade Racial do Brasil é um marco que dialoga com direitos e cidadania. O nosso mandato aprovou uma série de outras leis nesse sentido, como o Estatuto da Pessoa Gestante e a lei que coloca as mulheres como prioridade nos programas habitacionais de Niterói. Então, mais do que ser parlamentar, eu tenho muito orgulho de ser uma vereadora que faz leis que mudam as vidas das pessoas. Eu poderia ter sido eleita para a Câmara Municipal de Niterói e sair sem deixar nenhum legado. O que me deixa mais feliz como vereadora é que sei que estou deixando um legado, dando uma contribuição para mudar a vida das pessoas de maneira efetiva por meio das minhas ações legislativas. O arcabouço legislativo que venho construindo nesses anos como parlamentar é muito consistente.

4) Um caso recente que ganhou as manchetes de maneira bastante negativa em Niterói foi do jovem Luiz Carlos da Cordas Justino. Contra o jovem violoncelista havia um mandado de prisão por um crime a mão armada que ele teria cometido em 2017. A prisão, considerada de caráter racista, teria acontecido, de maneira arbitrária, porque a vítima teria reconhecido sua foto. No entanto, a família afirmava que na data, o músico se apresentava em um evento cultural em uma padaria de Piratininga, bairro de Niterói. Muito se falou na época que a prisão de Luiz foi exclusivamente pela sua cor, que por si só, já o denuncia. A senhora foi uma das maiores mobilizadoras do caso. Como foi pra você perceber tamanha injustiça?
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Verônica Lima: Infelizmente esse caso não foi o primeiro e também não será o último. Ele é fruto do racismo estrutural decorrente da forma como a sociedade se organiza. O caso do jovem Luiz Carlos é emblemático e mobilizou toda a sociedade de Niterói. Para além disso, nosso mandato lançou a Frente Parlamentar em Defesa da Juventude Negra e Periférica que é vítima de violência. Nosso mandato tem que ser um instrumento de luta e denúncia contra qualquer injustiça que seja praticada contra a nossa juventude preta. A gente sabe muito bem que, infelizmente, a polícia e o Estado brasileiro têm um tipo de comportamento quando lidam com um jovem negro, na favela, e um comportamento totalmente diferente quando se trata da juventude branca da Zona Sul. A gente precisa sempre denunciar esse tratamento distinto do Estado brasileiro.

5) Agora vamos falar de mulheres em cargos públicos. Atualmente, a senhora está no terceiro mandato e das 21 cadeiras para vereadores, apenas você e a vereadora Benny Briolly (PSOL) - eleita a primeira mulher trans na Câmara de Vereadores - representam as mulheres. E olha que estamos falando de uma eleição marcante: 713 concorrentes, onde um terço era composto por mulheres e poucas foram eleitas. A quê a senhora acha que se deve esse número tão baixo?

Verônica Lima: Infelizmente, nessa legislatura, de vinte e uma cadeiras, só tivemos duas mulheres sendo efetivamente eleitas: a Benny Briolly e eu. Logo em seguida, veio a Walkíria Nichteroy em substituição ao vereador Leonardo Giordano, que assumiu a Secretaria de Cultura. Ao mesmo tempo em que eu fico feliz, porque é um marco histórico termos três mulheres negras na Câmara de Vereadores de Niterói, acho que é muito insuficiente. Porque, nós mulheres, representamos mais da metade da sociedade brasileira. Embora sejamos maioria, isso ainda não se reflete nos espaços de poder da sociedade. Nem essas três cadeiras são suficientes para dar conta da baixíssima representatividade que ainda existe na sociedade brasileira quando a gente fala de ocupação de espaços de poder.

6) Ainda sobre o tema, neste mês temos o Dia Internacional das Mulheres. Consagrado internacionalmente pela ONU, no ano de 1975, o 8 de março representa um marco no movimento feminino para adquirir direitos iguais ou semelhantes ao dos homens nos planos político, jurídico, trabalhista e civil. Podemos comemorar a data ou não há motivos pra isso?
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Verônica Lima: Eu acho que, como um dia de luta, é muito importante. Eu não encaro o 8 de março como uma data comemorativa, festiva. Eu encaro como um dia de reivindicação para nós. As mulheres, por exemplo, podem estudar mais, ter uma qualificação melhor que os homens e, às vezes, ocupando o mesmo posto de trabalho, ganham menos. Nós enfrentamos a dupla, tripla jornada, trabalhando, cuidando da casa, dos filhos, e sendo mal remuneradas por isso. Todos os indicadores sociais e econômicos colocam as mulheres negras como as que mais sofrem com as desigualdades, no Brasil e no mundo. Então, para nós mulheres, e, sobretudo, para nós mulheres negras, é um dia de muita luta e reivindicação para conseguirmos avançar no mercado de trabalho, no acesso ao ensino, ao conhecimento, e também nas representações em espaços de poder, seja em corporações, seja em espaços públicos.

7) Quais são seus próximos projetos e como gostaria de ao fim do mandato, enxergar a cidade?
Verônica Lima: A Niterói que eu quero ver é uma Niterói onde as mulheres possam se sentir verdadeiramente representadas, onde se sintam seguras para transitar, em que ocupem efetivamente os espaços de decisão, não só os espaços de poder. Eu trabalho, atuo e construo essa cidade que tanto desejo ver. Tenho certeza que, mais cedo ou mais tarde, a gente vai ter uma Niterói de todas as mulheres e para todas as mulheres, com elas podendo deixar as crianças nas creches, contando com locais seguros para deixar os filhos pequenos quando saem para trabalhar. Desejo ver uma cidade em que as mulheres possam ter qualificação, acesso ao conhecimento, ao mercado de trabalho, e que possam estar aqui, na Câmara, e em todos os espaços de poder que sejam importantes para elas ocuparem.