Rio - Um estudo inédito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra dados preliminares que revelam que o índice de reincidência de crimes entres portadores de sofrimento mental é menor do que 5%. No sistema penitenciário tradicional, esse número chegaria a 70%. Isso quebra um dos paradigmas sociais que trava o processo de ressocialização de internos de manicômios judiciais. Neste domingo, O DIA mostrou que 70 pacientes do Hospital Heitor Carrilho já estão em liberdade judicial, mas foram esquecidos na unidade por familiares e o governo municipal.
“A população faz muita confusão entre psicóticos e o psicopatas. Esses últimos são altamente perigosos e não respondem a nenhum medicamento. Trata-se de um transtorno grave de personalidade do indivíduo. Já o que temos nos hospitais de custódia são pacientes que, com tratamento adequado, conseguem voltar para o convívio social”, afirmou Kátia Mecler, que com o também professor da UFRJ César Augusto Rodrigues Costa, conduz o estudo sobre reincidência de crimes no sistema penitenciário.
Dos 70 pacientes que moram no Heitor Carrilho, há casos de pessoas que estão em liberdade há 20 anos. Deles, 34 são da capital e estão aguardando uma vaga em residências terapêuticas — casas mantidas pela prefeituras para auxílio psicossocial — , como determina a lei, em caso de ausência ou recusa da família. Os demais, também liberados pela perícia psiquiátrica, porque foi considerada “cessada a sua periculosidade”, são de 17 outros municípios.
A Secretaria Municipal de Saúde alegou que os 34 abrigados no sistema carcerário já tiveram suas situações e quadros clínicos mapeados pelas equipes, para definir as necessidades e a melhor forma de inserção social de cada um. Segundo o órgão, ainda, o processo de saída segue o cronograma ajustado com o Ministério Público. No entanto, não informou qual é o prazo para a solução do problema.
Já a prefeitura de Duque de Caxias, que tem três ex-internos no Carrilho, disse que pediu à direção da unidade um relatório para saber se é necessário que eles tenham o acompanhamento pelo Centro de Atenção Psicossocial.
Paciente que ganhou liberdade há dois anos ainda está internado
Jagunço, 56 anos, como ele se apresenta, se mostra lúcido: “Chega de cadeia. Já paguei o que fiz”. Diagnosticado com transtorno mental, ele tem na ficha dois homicídios. Entrou para o Heitor Carrilho há 13 anos, e há dois está em liberdade, apesar de continuar morando no antigo manicômio.
Nascido Paulo Roberto Santos, ele fala do passado com uma certa autonomia. Diz com exatidão o nome de um ex-governador do Espírito Santo, o prédio onde trabalhou, nos anos 80, e lamenta não ter parentes. “Acho que eles morreram. Estou melhor do que antes, quando entrei aqui. Agora, sei que não dei a vida para ninguém, por isso não posso tirá-la”, diz ele, que oscila visivelmente de humor quando fala das ‘facadas’ que desferiu nas suas vítimas.
Desde março, o antigo Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, que fica sob responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), passou a se chamar Instituto de Perícias Heitor Carrilho. No próximo dia 8, será feita a inauguração oficial da unidade. Lá, são realizadas todas as perícias psiquiátricos referentes a crimes no estado. O objetivo é que, com o tempo, o local se torne uma referência no país na área de assuntos criminais envolvendo portadores de sofrimento mental.