Por paulo.gomes

Rio - A diretora do Instituto Nacional de Cardiologia, Cynthia Magalhães, negou que houve omissão de socorro ao fotógrafo Luiz Cláudio Marigo, de 63 anos. Ele morreu na última segunda-feira, na porta do hospital, em Laranjeiras, ao infartar dentro de um ônibus e não ser atendido por nenhum médico do INC.

“Não houve omissão de socorro e não houve erro, na nossa avaliação interna. Não fomos notificados. Funcionários de portaria e segurança disseram que uma senhora chegou dizendo que precisava de alguém para ver um paciente caído na rua. Quando a senhora e outros passageiros do ônibus entraram na portaria, uma equipe do Samu foi ao ônibus fazer as manobras de ressuscitação”, disse a diretora, ao Bom Dia Rio.

Luiz Cláudio Marigo%2C de 63 anos%2C morreu na segunda após sofrer um infarto e não ser socorrido no INCReprodução Facebook

Luiz Cláudio Marigo foi sepultado na tarde de terça-feira, no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Cerca de 200 pessoas, entre parentes e amigos, compareceram ao local. De acordo com a viúva do fotógrafo, Cecília Banhara Marigo, a família estuda entrar com ação judicial contra o hospital por negligência no atendimento. "Ele foi abandonado no momento que mais precisou. Ele que tanto fez pela sociedade, um defensor da natureza", disse.

O humorista Hélio de La Peña lembrou que o amigo era engajado em causas sociais. “Essa morte absurda é a sua última batalha: o descaso com a vida em um hospital de referência”. Ex-procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o jurista Antônio Carlos Biscaia afirmou que foi inadmissível e absurda a falta de atendimento médico ao fotógrafo Luiz Cláudio Marigo. “É preciso que haja rigor na apuração, até para saber se houve dolo eventual na recusa do atendimento”, analisou.

Hospital gasta R$ 500 mil só com plantões

A falta de socorro ao fotógrafo não é, necessariamente, resultado da carência de profissionais da Saúde do INC. Todo mês, o hospital paga a 42 médicos o chamado Adicional por Plantão Hospitalar (APH) — um bônus, além dos salários, para que médicos e enfermeiros deem expediente extra nesses hospitais.

Em média, o Ministério da Saúde desembolsa R$ 500 mil por mês só com os funcionários do INC. Mas o remédio tem efeitos colaterais. Um dos médicos beneficiado com o adicional no INC não tem sequer tempo disponível na agenda. O cirurgião Denoel Marcelino de Oliveira trabalha em seis hospitais, segundo o cadastro do Ministério da Saúde, com um total de 84 horas por semana — uma média de 12 horas por dia nos sete dias da semana. E conseguiu tempo para fazer dois plantões de 12 horas semanais em março e mais dois, em abril.

Cerca de 200 parentes e amigos se despediram%2C na tarde de terça-feira%2C de Luiz Cláudio Marigo, no cemitério de São João Batista%2C em Botafogo%3A clima de revoltaDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Pelas regras do Ministério da Saúde, Oliveira não deveria ser escalado. Ele, que tem vários vínculos de trabalho, ultrapassa — e muito — o teto de 60 horas semanais, o máximo permitido para o profissional da Saúde. O Conselho Regional de Medicina (Cremerj) e a Polícia Civil vão investigar a morte do fotógrafo. Segundo o delegado Roberto Nunes, da 9ª DP (Catete), se ficar constatado que houve negligência, os médicos do hospital poderão ser indiciados por homicídio. O titular da delegacia disse que vai aguardar o resultado da perícia. Plantonistas da unidade vão depor.

A direção do Instituto de Cardiologia garante que os médicos e profissionais da Saúde não estão em greve. Já o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Trabalho e Previdência Social (Sindsprev-RJ) assegura que os nove hospitais da rede federal no Rio funcionam com a capacidade reduzida e atendem somente os casos de emergência ou de tratamento contínuo.

Em nota, o INC informou que “não foi realizada a remoção imediata da vítima, pois, de acordo com o protocolo de reanimação cardíaca, não é recomendável a mobilização do paciente”. Acrescentou que, apesar de ter emergência, deixou a postos uma equipe de médicos e um leito. Técnicos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tentaram reanimá-lo, em vão. O advogado João Tancredo explicou que cabe ao médico defender a integridade do paciente. “Trata-se de omissão de socorro. A família tem o direito de mover ação cível contra o chefe de equipe do hospital, a União e a empresa de vigilância”, afirmou.

Agradecimento do filho da vítima emociona motorista

Na terça, o motorista da linha 422 (Grajaú - Cosme Velho), Amarildo Gomes, recebeu uma ligação emocionante. Era Vitor Marigo, filho do fotógrafo. Vitor agradeceu ao motorista por socorrer seu pai. “Ele (o Vitor) falou que eu tive atitude heroica”, contou Amarildo, que recebeu apoio de colegas da empresa. “Não imaginei tanta repercussão. Fiz o que deveria fazer.” Na manhã de segunda-feira, ele fazia a primeira viagem quando o fotógrafo passou mal no ônibus. “Gritei para ele ir para o hospital e ele foi correndo”, contou o cobrador Reginaldo Gomes, 59 anos.

Motorista Amarildo já socorreu outros passageiros em seu ônibusAlessandro Costa / Agência O Dia

“Fomos avisados que a unidade não atendia emergência e para chamarem o Samu. Uma ambulância chegou e paramédicos fizeram primeiros socorros. Quando o Samu chegou, fizeram massagem e a respiração voltou. Depois ele não respondeu mais”, disse o motorista. Segundo o cobrador, quando o hospital mandou entrar, o bombeiro disse que estava morto.

Nos 31 anos de profissão, Amarildo já ajudou outros passageiros. Quando trabalhava na linha 650 (Marechal Hermes-Engenho Novo), há oito anos, o motorista mudou o itinerário para levar ao hospital um idoso que vomitava sangue. Amarildo mora em Cascadura, é casado e tem três filhos. A família depende de hospital público. “Minha esposa tenta há meses uma ressonância magnética. Tive que pagar para fazer lavagem no ouvido. Infelizmente a realidade da Saúde Pública é essa.”

Você pode gostar